Braguinha

BRAGUINHA

Maurício Azevêdo

Ao escolher o tema Yes, Nós temos Braguinha para seu enredo no Carnaval de 1984, a Estação Primeira da Mangueira teve em vista oferecer uma reação à onda de descaracterização da cultura brasileira, sitiada pela pressão dos poderosos trustes da indústria fonográfica que, a pretexto de difundir um suposto «som universal», transformaram os países da América Latina num mercado cativo para as suas produções. Com esse enredo, a Estação Primeira dispõe-se a mostrar a riqueza da criação nacional, numa apresentação com cheiro e cores do Brasil, magnificamente expressos por seus ritmtstas, seus passistas, suas pastoras, suas baianas.

Se o propósito é esse, nada melhor do que eleger como centro uma das maiores figuras da música popular brasileira, João de Barro, o Braguinha, cuja carreira de mais de 5O anos, iniciada com a sua profissionalização como compositor em 1933, tem marcas da versatilidade, da fecundidade e da longevidade raramente alcançadas por qualquer outro criador de arte popular. Esse Braguinha agitado, alegre, cheio de vitalidade que o levará a inúmeros bailes carnavalescos neste Carnaval de 1984, é um surpreendente artista que a 29 de março próximo completará nada menos que 77 anos, moldura cronológica de uma alma e de um corpo de adolescente.

Quando se diz que Braguinha é versátil, as provas podem ser expostas sem a menor dificuldade. Junto com Lamartine Babo, seu mestre, e com Haroldo Lobo, ele forma a grande trindade de autores de músicas carnavalescas. Com diferentes parceiros, e especialmente com Alberto Ribeiro, ele criou composições que resistiram à ação do tempo e, nas ruas e nos salões, fazem a riqueza musical do Carnaval do Rio de Janeiro, decorrido quase meio século após a sua elaboração. Touradas em Madri, um dos «clássicos» da canção carnavalesca, que ele compôs com Alberto Ribeiro, foi gravada para o Carnaval de 1938, mas conserva um viço permanente, que a coloca todos os anos entre as músicas mais executadas nos bailes carnavalescos de todo o país. E o próprio, Yes, Nós Temos Banana (Yes, nós temos banana/Banana pra dar e vender/Banana, menina/Tem vitamina/Banana engorda e faz crescer), mote do tema-enredo de Mangueira, é uma composição gravada em novembro de 1937 também para o Carnaval de 1938 e dotada de tal vitalidade, de tal frescor, que em fins de 1967 foi regravada por Caetano Veloso para constituir uma espécie de hino do movimento tropicalista, dada a riqueza de sua linha melódica e a irreverência de seus versos.

Arrolar a extensa bagagem de Braguinha excederia os limites deste fascículo de apresentação do Carnaval da Mangueira, mas quem não se lembra de Pastorinhas, que Braguinha fez inicialmente com Noel Rosa e depois aperfeiçoou, dando-lhe a eternidade da forma atual; de Linda Loirinha, Dama das Camélias, Pirata da Perna de Pau, China Pau, Tem Gato na Tuba, Chiquita Bacana, A Multa é a Tal, Vai Com Jeito, Anda Luzia, para citar alguns títulos de sua criação?

Mas Braguinha não é apenas um carnavalesco, um compositor de época. A riqueza de sua contribuição à cultura do país transcende o campo da música, pois com Alberto Ribeiro ele desempenhou um papel fundamental na sustentação do cinema brasileiro ao longo dos anos 30, como autor da trilha musical da produção nacional da época — os filmes em que o povo brasileiro se via nas telas, como Alô-Alô Brasil, Alô-Alô Carnaval, Estudantes, João Ninguém, Banana da Terra, Laranja da China, Abacaxi Azul, películas de que, neste país sem memória, não resta um fotograma sequer, à excessão de Alô Alô Carnaval, reconstituído graças à paciência e o amor filial de Alice Gonzaga, herdeira e filha do criador da Cinédia, Ademar Gonzaga.

Múltiplo, polivalente, Braguinha é autor de outras canções inesquecíveis, como um dos mais belos exemplares da canção junina, Sonho de Papel (E um balão vai subindo/Vem caindo a garoa/O céu é tão lindo/E a noite é tão boa/São João, São João/Acende a fogueira/No meu coração), um dos mais comovidos poemas musicados de exaltação à beleza natural do Rio, Copacabana e uma das mais ternas canções românticas, como Laura. E por tudo isso, numa afirmação do que é nosso e da criação de um dos mais engenhosos criadores de música popular do Brasil, que a Mangueira pode proclamar na Avenida do Samba, com o seu canto majestoso, esta verdade que orgulha todos os cariocas: Yes, Nós Temos Braguinha1.

  1. AZÊVEDO, Maurício. Revista: “Estação Primeira Mangueira CARNAVAL 84 – Yes, Nós temos Braguinha”. Editor José Carlos Netto. p.6-7. (img.JPEG 559 KB ↑); ↩︎