APRESENTAÇÃO — O Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, que vem representando dignamente o carnaval brasileiro, presta, êste ano, homenagem ao grande vulto da música erudita brasileira, HEITOR VILLA-LOBOS, e procura dar maior brilho à nossa festa popular, exaltando êsse músico brasileiro.

Villa-Lobos, desaparecido do nosso convívio há seis anos, projetou e continua, cada vez mais, fazendo crescer o nome de nossa terra no Brasil, sobretudo, no exterior. Por isso mesmo, e pela gratidão que o povo devota a essa figura excepcional é que a Escola, organização que orgulha o nosso Carnaval, apresenta como enrêdo — EXALTAÇÃO A VILLA-LOBOS.

Procuramos ressaltar no Desfile da Escola as diversas facêtas da vida do genial músico, cuja carreira gloriosa nos trouxe inspiração.

O nosso agradecimento às autoridades civis e militares, à imprensa falada, escrita e televisionada, que tanto nos prestigiam e estimulam, enfim, a todos os que contribuíram para que pudéssemos desfilar com brilhantismo, enriquecendo as tradições do carnaval brasileiro.

Ao MUSEU VILLA-LOBOS do MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, o nosso reconhecimento todo especial.

A DIRETORIA1

HEITOR VILLA-LOBOS (Dados Biográficos)

Heitor Villa-Lobos, filho de Raul Villa-Lobos e Noemia Monteiro Villa-Lobos, nasceu na rua Ipiranga, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, a 5 de março de 1887. Seu pai, devotado a estudo históricos e trabalhos didáticos, deixou cêrca de trinta obras de valor: coreografias, compêndios de matemática e muitos outros. Foi o organizador da Biblioteca do Senado Federal; viveu sempre numa verdadeira paixão pela música; fundou o primeiro clube sinfônico que existiu, a Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro. Sua mãe, era filha do compositor popular Santos Monteiro, autor de uma famosa quadrilha intitulada “Quadrilha das Môças”.

Estudou com seu pai e, mais tarde, com Breno Niedenberg (violoncelo), Frederico Nascimento e Agnelo França. Fugiu de casa aos 16 anos para viver no meio dos chorões2 cariocas e, a partir de 1905, viajou por todo o Brasil, dando concêrtos e colhendo temas folclóricos. Em 1915 apresentou suas obras, em primeira audição, no Rio de Janeiro. Em 1922, contratado por Graça Aranha, participou com escândalo, da Semana da Arte3 em São Paulo: em 1923, 1924, 1925, 1927, 1929 e 1930 realizou concêrtos em São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Paris, Viena, Berlim, Amsterdam, Barcelona, etc.; em 1932, nomeado Superintendente de Educação Musical e Artística do Distrito Federal; em 1935, 1940, 1944, 1946 e 1951 realizou concêrtos no Rio de Janeiro, Chile, Argentina, Uruguai e Cuba; em 1942 foi nomeado Diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico do Ministério da Educação e Cultura, Durante muitos anos desenvolveu notável trabalho educativo no campo coral escolar. Visitou os Estados Unidos da América do Norte pela primeira vez em 1944, atuando como regente das melhores orquestras americanas, dentre as quais Sinfônicas de Boston, Nova York e Los Angeles; a partir daquela época até julho de 1959, continuou regendo as Orquestras dos Estados Unidos, Israel, Canadá, e vários países da Europa e das Américas do Sul e Central, apresentando obras em primeira audição. Compositor de vulto, essencialmente brasileiro, é genial pela originalidade. Autor representativo do sentimentalismo irônico nacional. Conforme declarava, sofreu, a princípio, influência de Wagner e Puccini, mas, por volta de 1925, já se tornaram suas obras completamente nacionalizadas, a ponto de expressar o sentimento popular com fidelidade, pela primeira vez na história da música brasileira. A técnica de Villa-Lobos oscila entre as peças de harmonia singela, como sua música para criança, até as de complexidade extrema, como o RUDEPOEMA e a maior parte dos CHOROS, peças de excepcional significação no panorama da música contemporânea. […]

O govêrno brasileiro, desejando homenagear êsse grande vulto nacional que dignificou o nome de sua terra no Brasil e no exterior criou, no Ministério da Educação e Cultura, em 1960, o MUSEU VILLA-LOBOS, que vem desenvolvendo trabalho em prol da divulgação da figura e da obra de HEITOR VILLA-LOBOS. Em 1961, em New York, por ocasião de sua data natalícia, o Prefeito daquela cidade, Robert Wagner, decretou 5 de março, DIA VILLA-LOBOS. Êsse ato vem demonstrar que, embora Villa-Lobos desaparecido a 17 de novembro de 1959, a chama de seu gênio continua acesa e é uma resposta ao seu próprio pensamento: “CONSIDERO MINHAS OBRAS COMO CARTAS À POSTERIDADE SEM ESPERAR RESPOSTA”4.

Mangueira lutará pelo título com “Exaltação à Vila-Lôbos”

Para o carnaval que se aproxima, a Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira, que fechara o desfile, dado o fato de no sorteio ter sido apontada como a última a apresentar-se no asfalto da Avenida Presidente Vargas, mostrará o enrêdo “Exaltação a Vila-Lôbos”, dividido em sete partes seguintes: Vilalôbos e a Natureza; Vilalôbos, “O Seresteiro”; Vilalôbos e o Brasil; Vilalôbos, “o Educador da Infância e da Juventude”; Vilalôbos e o Carnaval Antigo; Vilalôbos e a Criação Musical e Vilalôbos e o Mundo.

SAMBA PURO

Desfilando com o samba puro das favelas do Rio, não faltará à Mangueira, no carnaval de 1966, a presença de ricas fantasias de destaque. No quadro do “Lundu da Marquêsa de Santos” que será representado por nove alas, desfilarão “Zinha”, como Marquêsa de Santos e Edson como D. Pedro I, ambos com fantasias orçadas em milhões de cruzeiros.

LENDA DA MAGIA

De outra parte, uma cena representará o Bailado e Poema Sinfônico Uirapuru — que conta a lenda da magia do canto noturno dessa ave5 amazonense que fazia com que os índios se reunissem à noite à procura do atraente trovador, mágico das florestas, porque as feiticeiras lhe contaram que Uirapuru era o rei do amor e o mais bonito cacique existente na terra. Êste será o mais inovador e autêntico desfile de índios já apresentado. Jupira desfilará com uma original fantasia de Uirapuru, seguindo-se o quadro que narra a Erosão — origem do rio Amazonas, que terá “Chico Enfermeiro” na figura do Sol e d. Edna. envergando outra luxuosa fantasia, representando a Lua.

ENSAIOS

E, todos os sábados e domingos, familiarizando seus integrantes com os quadros do belo enrêdo, a simpática Estação Primeira da Mangueira realiza magníficos ensaios na quadra denominada “Maracanã do Samba”, situada à Rua Visconde Niterói, onde a afluência de simpatizantes, convidados e turistas atesta a invejável receptividade do samba que é cultivado na verde-e-rosa. O presidente Juvenal Lopes, sempre cavalheiresco e profundo conhecedor do samba em partido alto, confia na classe dos sambistas, passistas e demais integrantes, para a conquista do título6.

MANGUEIRA VAI SAMBAR EM LOUVOR A VILA-LÔBOS

A Mangueira é uma das escolas que mais cedo começou a preparar-se para o carnaval, apresentando-se com o enrêdo Exaltação a Vila-Lôbos, de Júlio Matos e um samba-enrêdo de Jurandir e Claudio, escolhido quinta-feira depois de uma dura luta com outros bons compositores e, durante a qual, o trio Hélio Turco, Comprido e Pelado, vencedores do ano passado, chegaram mesmo a retirar seu samba.

Êste ano, a Mangueira faz seu carnaval com gente da própria escola, sem contratar, nem mesmo figurinistas ou escultores. Júlio, que muitas vêzes já cuidou do carnaval da escola, volta êste ano a fazer as alegorias e a organizar o enrêdo, feito com o auxílio da viúva do compositor, que até mesmo ajudou a escolher o samba.

O enrêdo, da verde e rosa foi dividido em sete partes, que são as seguintes: 1 — Vila-Lôbos e a Natureza; 2 — Vila-Lôbos, o Seresteiro; 3 — Vila-Lôbos e o Brasil; 4 — Vila-Lôbos, o Educador da Infância e da Juventude; 5 — Vila-Lôbos e o Carnaval Antigo; 6 — Vila-Lôbos e a Criação Musical; 7 — Vila-Lôbos no Mundo.

SAMBA-ENRÊDO

O Samba-enrêdo7, de autoria de Jurandir e Cláudio, escolhido na noite de quinta-feira, tem a seguinte letra:

“Relembrando as sublimes melodias
Que o poeta escrevia
Em lindas canções divinais
Surgiram…
Os acordes musicais
De sonoras sinfonias
Na beleza de poemas imortais
Todo lirismo que arte gravou
Com poesia e esplendor
Resplandecia
Como um sonho em fantasia
Ô… Ô… Ô… o samba vibrou!
Com as glórias que Vila-Lôbos alcançou
E as platéias do mundo inteiro deslumbrou…

Da natureza verdejante
Ao som da brisa murmurante
Nasceram com angelical fulgor
As trovas que ao poeta inspirou
A alma sonora e vibrante da terra fértil
O grito da dança nascido na selva
Do nosso Brasil
Fascínio, colorido…
Em sua alma cantou
E as noites de festas
Em lindas serestas pintou
Sentiu ritmar em seu peito
Com grande emoção
A história lendária do nosso sertão

Côro

Brilham… como os astros no céu!
Ao descortinar o véu
Iluminando as passarelas universais
As mais lindas notas musicais.”

ENRÊDO

O enrêdo, feito com o auxílio da família de Vila-Lôbos e do Museu Vila-Lôbos, do Ministério da Educação e Cultura, foi entregue aos compositores para que fôsse composto o samba, um resumo da vida do compositor redigido pelo próprio museu. O texto entregue aos compositores como base do enrêdo foi o seguinte:

Heitor Vila-Lôbos nasceu em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, a 5 de março de 1887. Compositor e regente. Estudou com o pai, Raul Vila-Lôbos, e mais tarde com Frederico Nascimento e Agnelo França. Fugiu de casa aos 16 anos para viver no meio dos chorões cariocas e, a partir de 1905, viajou por todo o Brasil, dando concertos e colhendo temas folclóricos. Em 1922 foi o escândalo da Semana de Arte Moderna, em São Paulo; em 1923, 1924 e 1929, concertos em São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Viena, Berlim. Amsterdã, Barcelona etc.; em 1932, Superintendente da Educação Musical e Artística do Distrito Federal; em 1935, concertos em Buenos Aires e Rio de Janeiro; em 1942, fundador e, desde então, Diretor do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Realizou durante muitos anos notável trabalho educativo no campo coral escolar. Visitou os Estados Unidos e pela lª vez em 1944, atuando como regente das melhores orquestras americanas, dentre as quais as sinfônicas de Boston, Nova Iorque e Los Angeles, com grande sucesso. A partir daquela época, continuou regendo quase tôdas as orquestras dos Estados Unidos e de muitos países da Europa e das Américas do Sul e Central, apresentando sempre suas obras em primeira audição. Compositor de vulto, essencialmente brasileiro, é genial em todos os ramos da música, agindo sempre como desbravador, pela ânsia de originalidade. Autor representativo de sentimentalismo irônico nacional. Conforme declarou, sofreu, a princípio, influência de Wagner e Puccini, mas, por volta de 1925, já se achava sua obra completamente nacionalizada, a ponto de expressar o sentimento popular com fidelidade, pela primeira vez na história da música brasileira. […]

DESFILE

O desfile da Mangueira, a partir do seu Abre-Alas, será assim:

Abre-Alas — três mastros ligados, com cortinados ao fundo em tecido lamé, com aplicação de pedraria e puellile.
Comissão de Frente — com a Ala das Impossíveis.
Tabuleta, com a seguinte frase autografada de Vila-Lôbos: “Considero minha obra como cartas á posteridade, sem esperar resposta”.
Ala dos caboclos — simbolizando Vila-Lôbos, o primeiro brasileiro a aproveitar a melodia dos índios.
Três destaques — simbolizando Erosão — Origem do Rio Amazonas — poema sinfônico — assim: Sol, Lua e Rio Amazonas, com Chico Enfermeiro e D. Edina.
Três destaques de estrêlas — as Três Marias.

PRIMEIRA ALEGORIA

Dança do índio Branco — vários índios e um branco em destaque.
Uirapuru — Jupira em destaque como Uirapuru, acompanhada de índia com bodoque, índias, cacique e índio feio com uma flauta.
Vila-Lôbos, o Seresteiro — Ala de violões e capoeiras.
Vila-Lôbos e o Brasil a alma do gênio em todos os recantos da Pátria.
Destaques — representando os Estados do Brasil.
Vila-Lôbos, o Educador da Infância e da Juventude — implantou o ensino do Canto Orfeônico no País — por isso, várias alas com crianças fantasiadas de escolares — primário e ginasial.
Alas com meninos soltando papagaios e crianças brincando.
Alas ainda com meninos fantasiados — menino pobre, marinheiro, pierrette, dominó, caipirinha, escoteiro, saci, cercando um rei e uma rainha (adultos) em destaques.
Vila-Lôbos e o Carnaval Antigo — saudades do cordão.
Alas com índios, caboclos, grupos de velhos, grupos de velhas, palhaços, diabinhos, morcegos, sargentos, soldados, mestre de canto e bateria, baianas pererecas.
Dois destaques — Rei dos Diabos e Rainha dos Diabos com Galego e Noca, dois famosos destaques da escola.
Vila-Lôbos e a Criação Musical — homenagem à música.

SEGUNDA ALEGORIA

Descobrimento do Brasil, quadro com a Primeira Missa.
Destaques de Pedro Álvares Cabral e Pero Vaz de Caminha.
Alas de descobridores, soldados e índios.
Seguem-se Alas e fantasias representando — Num Berço de Fadas — Pintor de Canaí — Canção de Cristal — Carlitos — Distribuição de Flôres — Poeta do Século XVIII — No Palácio Encantado — Imperador Jones — Lundu da Marquesa de Santos (em destaque de Zinha com Pedro I vestido por Édson) — Canção da Imprensa — O Castelo (outro destaque) — A Cortesia do Principezinho — E a Princesa Dançava — A Condêssa (nôvo destaque) — Papai Noel — Na Bahia Tem — Polichinelo.

TERCEIRA ALEGORIA

Vila-Lôbos no Mundo — e gênio musical do século.
Alas representando 21 países.
Fecho da escola com uma escola de samba mirim, completa, com 180 a 200 crianças, incluindo mestre-sala, porta-bandeira e tudo8.

* MANGUEIRA É MAGNÍFICA E EXALTARÁ VILA-LÔBOS *

(REPORTAGEM DE ANTÔNIO LEMOS)

Para mostrar através da música o tema intitulado “Exaltação a Vila-Lôbos”, que defenderá no grandioso desfile de domingo de carnaval, a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira escolheu, com lisura e muita tranquilidade, o samba-enredo de autoria dos compositores Jurandir e Cláudio. O tema é criação do popular Julinho, favelado mangueirense.

A escolha do samba-enrêdo ocorreu durante a festa denominada “Noite dos Compositores” quando uma comissão constituída de integrantes da própria Mangueira e pela viúva de Vila-Lôbos, apontou o vencedor, dentre os apresentados por Neném Sargento e Marrêta, Pará e Cláudio, depois que o trio Comprido-Hélio Turco-Pelado, vencedor do ano passado, resolveu retirar o samba de sua autoria. Eis a letra do samba-enrêdo da dupla Jurandir-Cláudio: “Relembrando as sublimes melodias / Que o poeta escrevia / Em lindas canções divinais / Surgiram… / Os acordes musicais / De sonoras sinfonias / Na beleza de poemas imortais / Todo lirismo que arte gravou / Com poesia e esplendor / Resplandecia / Como um sonho em fantasia / Ô, ô, ô o samba vibrou / Com as glórias que Vila-Lôbos alcançou / E as platéias do mundo inteiro deslumbrou. — II Parte — Da natureza verdejante / Ao som da brisa murmurante / Nasceram com angelical fulgor / As trovas que ao poeta inspirou / A alma sonora e vibrante da terra fértil / O grito da dança nascido na selva / Do nosso Brasil / Fascínio, colorido… / Em sua alma cantou / E as noites de festas / Em lindas serestas pintou / Sentiu ritmar em seu peito / Com grande emoção / A história lendária do nosso sertão! — Côro — Brilham… como os astros no céu / Ao descortinar o véu / Iluminando as passarelas universais / As mais lindas notas musicais.”

QUATRO ALEGÓRICOS

Embora tivesse suas alegorias grandemente prejudicadas com o incêndio ocorrido em seu barracão, a Escola de Samba Mangueira não esmoreceu. Muito menos Júlio Matos, o Julinho, chefe de barracão, responsável pelas alegorias. E, assim, com quatro carros alegóricos, a gloriosa verde-e-rosa se apresentará aos olhos de seus admiradores. Serão êles os seguintes: 1) Abre-alas, contendo três mastros cromados, ligados entre si, com fundo em tecido de “lamée” bordado em pedras vermelhas formando a legenda Estação Primeira de Mangueira Saúda o Povo e a Imprensa em Geral; 2) A natureza simbolizada por pássaros, rios e folhagens; 3) A Rosa dos Ventos, que representa a alma do gênio em todos os recantos da Pátria, a musa inspiradora com um comprido véu, as sete notas musicais com crianças dançando ciranda ao seu redor; 4) Livros musicais em redor de todo o carro, um globo com uma lira em cima, dois anjos e a figura do maestro, encimados pela frase: Vila-Lôbos, o Gênio Musical do Século.

ABRE-DESFILE

A comissão de frente, composta de quinze bonitas môças, sambando em ritmo quente, tôdas representantes da “Ala das Impossíveis” abrirá o desfile da Mangueira, seguindo-se a célebre frase de Vila-Lôbos: Considero minhas obras como cartas à posteridade, sem esperar resposta — tôda bordada em pedrarias vermelhas sôbre um fundo verde.

Posteriormente, surgirá na Avenida, a “Ala dos Caboclos”, tendo como figura de primeira, Nina, fantasiada de Borboleta Iemanjá (Lady Hilda), Monstro, Vitória Régia, Rosas Silvestres, Deus dos Ventos e Deusa das Florestas representarão o poema sinfônico “Amazonas”.

Finalmente surgirá o quadro “Erosão”, com as fantasias de destaque: Sol, representado por um elemento de alto valor, recentemente conquistado; a Lua, será configurada por Édina; as “Três Marias”, por Mintika, Alnitá e Almila, enquanto a bela Jupira representará o poema sinfônico “Uirapuru”. E mais: Mangueira apresentará cêrca de 80 figuras de destaque com alas representando os 21 países em que o gênio da música brasileira se apresentou na sétima e última parte do enrêdo: Vila-Lôbos no Mundo; E, encerrando o desfile, estará a inovadora bateria-mirim9.

Escolas de Samba Confirmam o Prestígio de Ponto Mais Alto do Carnaval Carioca

Embora seja ainda imprevisível o resultado do superdesfile das escolas de samba, os aplausos de milhares de pessoas fizeram estremecer, na manhã de segunda-feira, as arquibancadas da Avenida Presidente Vargas, à passagem da Império Serrano, que se destacou das demais pela beleza de seu enrêdo e o conjunto de fantasias, além de outros itens decisivos para o julgamento. O desfile das escolas, embora sem o mesmo brilho do espetáculo do ano passado, reafirmou-se, êste ano, como o maior acontecimento do carnaval carioca, e, desde às 19 horas de domingo, já era grande a massa popular que se deslocava para a Presidente Vargas. De modo geral, o espetáculo deixou um pouco a desejar, no que diz respeito ao senso criador e inovador dos dirigentes das diferentes entidades, e também à beleza e variedade dos figurinos.

Como de hábito, o desfile, cujo início fôra previsto para às 21 horas, começou com quase duas horas de atraso, logo depois da passagem do Rei Momo, Abraão Hadad, e do Cidadão Samba, Bide Pereira. Antes a pista foi invadida por grande número de populares, o que se repetiu durante tôda a madrugada e manhã de segunda-feira. A Polícia, ao contrário dos anos anteriores, procurou coibir o abuso com moderação. O Governador Negrão de Lima, sua espôsa, D. Ema, e o Secretário de Turismo, Ministro João Paulo do Rio Branco, assistiram à maior parte do desfile.

As Quatro Grandes

[…] Diferente das demais no ritmo e na côr, a Estação Primeira de Mangueira fechou o super-desfile quase no fim da manhã de segunda-feira. Seu enrêdo foi a “Exaltação a ViIIa-Lôbos” e, à sua entrada, houve verdadeira vibração por parte do público que ainda lotava as arquibancadas. Sem apresentar a mesma quantidade de fantasias de destaque da Império Serrano ou alegorias que superassem em beleza o que esta última e a Portela mostraram, a Mangueira exibiu bateria-mirim que deve ter-lhe garantido nota máxima naquele quesito. D. Arminda, viúva de Villa-Lobos e diretora do museu que tem o seu nome, repetia entre lágrimas:

— É emocionante!10

SAMBA É CAMPEÃO

Pelo que mostraram no desfile de domingo a Estação Primeira de Mangueira e a Império Serrano são as mais sérias candidatas ao título de supercampeã, uma vez que mostraram muito mais que as outras, principalmente a primeira, que pôs o samba autêntico de morro na Avenida, enquanto a outra, ainda que bem, utilizou recursos antes usados pela Salgueiro para atrair os jurados.

Oziel Peçanha julgou bateria, melodia e harmonia; Danúbio Meneses Galvão, fantasias; Dalva Duarte, bandeira e comissão de frente; Joel Lopes, letra e enrêdo; Berta Rosanova, porta-bandeira e mestre-sala; Maurício Sherman, evolução e conjunto; Celita Vacani, alegorias; Darci Tecídio, Mário de Oliveira e Vera Lúcia Bertel julgaram desfile.

MANGUEIRA — Se o julgamento do desfile de escolas de samba dependesse do voto popular, sem dúvida alguma, a vencedora dêsse ano seria a Mangueira, Sua entrada na pista da Presidente Vargas parecia mais a partida para uma guerra, que, no caso, deveria ser ganha de qualquer maneira. A impressão que se teve foi a de que todo o morro de Mangueira tinha descido para ensinar samba no asfalto, principalmente porque a vibração dêsse samba já começava a desaparecer, fazendo com que os sonolentos já começassem a se entregar ao cansaço de 12 horas de desfile. Sua entra triunfal fêz muita gente chorar na arquibancada, inclusive Dona Arminda, viúva de Villa-Lobos, o grande homenageado da festa. As lágrimas do mestre-sala foram notadas, também, não se sabendo por que. Duas hipóteses são levantadas: a emoção com os aplausos ou a sua despedida dos desfiles de escola de samba, depois de mais de dez anos. Suas alas estavam impecáveis, desde a comissão de frente até a bateria mirim, que encerrou o desfile. O samba Exaltação a Villa-Lôbos, de Claudio e Jurandir, foi cantado por quase todos que assistiam ao desfile, e, por Dona Zica, mulher do veterano compositor da escola, Cartola, que, sempre com um sorriso nos lábios, talvez para esconder sua emoção, abria os braços à platéia, animando aos presentes. Mangueira deu uma demonstração mais uma vez de autenticidade, demostrando como com fantasias de menor valor pode ganhar um carnaval, ao contrário de outras que apresentaram nada a não ser riqueza11.

INCÊNDIO

No Pré-Carnaval de 1966 um incêndio atingiu o “Barracão” (espaço emprestado pelo pai do carnavalesco) da Escola, causando um grande estrago que, com muito esforço dos mangueirenses e em particular de Julinho (carnavalesco), foi superado. Esse acontecimento foi registrado nos jornais da época. Leia a seguir essas matérias:

INCÊNDIO DESTRÓI BARRACÃO E ENRÊDO DOS MANGUEIRENSES

Aroldo Bonifácio

O barracão da Escola de Samba Estação Primeira, de Mangueira, na Estrada Engenho da Pedra, 283, em Ramos, pegou fôgo ontem, à tarde. O incêndio devorou alguns quadros e vários trabalhos de pasta que a famosa verde e rosa apresentaria no superdesfile da Av. Presidente Vargas. O artista Júlio de Matos, Julinho, autor do enrêdo da Mangueira, e seu pai, Antônio de Matos, sofreram queimaduras de 1° grau nos braços e nas mãos. Os prejuízos são calculados em vários milhões de cruzeiros. Suspeita-se que o incêndio seja criminoso12.

Incêndio dá prejuízo de 20 milhões à Mangueira

Sobem a mais de 20 milhões os prejuízos causados pelo incêndio que destruiu, na segunda-feira, as alegorias pertencentes à Escola de Samba da Mangueira, e que estavam sendo confeccionadas num atelier improvisado na Estrada Engenho da Pedra, 262, pertencente à firma Comério e Resíduos de Sucata de Ferro, de propriedade de Antônio Pereira Matos.

O cenógrafo Júlio Pereira de Matos, que há vários anos executa trabalhos para a escola, quis salvar as alegorias já prontas e ficou preso entre as chamas, acabando por perder os sentidos, sendo salvo por seu pai, Antônio Pereira. Ambos receberam ferimentos nas mãos, sendo medicados no Hospital Getúlio Vargas.

O sinistro, que teria sido provocado por combustão espontânea, teve início às 16.30 horas. Na ocasião trabalhavam ali o sr. Antônio Pereira e Júlio, cenógrafo da verde-e-rosa, os quais munidos de baldes, tentaram debelar as chamas. Os esforços de ambos porém, foram inúteis, pois o fogo encontrando material de fácil combustão, alastrou-se rápidamente.

Bombeiros dos quartéis de Ramos e do Méier, comandados pelo aspirante Ernâni, tiveram grande dificuldade para debelar as chamas, dada a falta de água. O prédio 304, da Rua Nossa Senhora das Graças, situado atrás do depósito, só não foi destruído graças aos carros-pipas enviados ao local.

Ao ser retirado de entre as chamas com queimaduras nas mãos, o cenógrafo Júlio Pereira de Matos chorou lamentando a perda do material, mas afirmou à nossa reportagem que até têrca-feira dará pronto o carro “Abre-Alas”, não prejudicando assim o desfile da Escola de Samba da Mangueira. Está desolado, sim, pela perda de vários bonecos do enrêdo “Exaltação a Vila-Lôbos” que estavam nos retoques finais e foram destruídos pelo sinistro. Mas enfim, finalizou: “Serei incansável para que a verde-e-rosa se apresente condignamente no carnaval. O enrêdo da escola está pronto e o resto é trabalhar”13.

Hélio Oiticica na Mangueira

Nascido no Rio de Janeiro em 1937, Hélio Oiticica era ainda um jovem artista quando dois dos principais movimentos de vanguarda da década de 1950 ocorreram. No Grupo Frente, de 1954, Hélio tinha apenas 17 anos e ainda era um dos mais novos alunos dos cursos de Ivan Serpa no MAM. Já no Grupo Neoconreto, em 1959, Oiticica já tinha ultrapassado os 20 anos e iniciava na cidade uma trajetória que marcaria definitivamente o cenário mundial das artes visuais. Se no início dos anos de 1960 sua obra amadurece com trabalhos como os Relevos Espaciais, os Penetráveis e os Bólides, foi em 1964 que um encontro com a geografia carioca mudou para sempre sua vida.

Morador do Jardim Botânico, Oiticica trabalhava com o pai, José Oiticica Filho, cientista entomólogo, no Museu Nacional. Suas idas frequentes à Quinta da Boa Vista, São Cristóvão, já criava em sua vida uma vizinhança com o Morro da Mangueira. No carnaval de 1964, Hélio Oiticica vê pela primeira vez em um barracão de Escola de Samba sua montagem para o carnaval. Amílcar de Castro, artista plástico que atuou com ele nos tempos do movimento neoconcreto, fazia na época o trabalho pioneiro de criar as alegorias da Estação Primeira de Mangueira. Jackson Ribeiro, auxiliar de Amílcar, chama Hélio para ver o trabalho.

Para Hélio Oiticica, as alegorias e o universo do carnaval são o princípio do fim de uma vida reflexiva, de um estado de calmaria e certezas no mundo burguês do Rio de Janeiro. A partir dos ensaios na antiga Fábrica da Companhia de Cerâmica Brasileira, o artista sofisticado cai de cabeça no mundo da favela e do samba. Desconhecido pela ampla maioria dos moradores do morro, Oiticica ganha o apelido de “russo” e se torna passista profissional, compondo com amigos o “trio do embalo maluco”.

Apesar de sempre ter tido uma relação franca com o universo popular da cultura brasileira – futebol, samba, Rádio Nacional, Emilinha e Marlene etc. – Frequentar favelas era uma prática que estava fora do universo de referências sociais de Oiticica e demais intelectuais de sua geração. Nesse período, a relação da classe média carioca com a cultura e o dia-a-dia das populações dos morros e favelas da cidade trazia alguns matizes bem demarcados entre utopias revolucionárias, preconceitos de classe e assistencialismos por parte do Estado. Simultaneamente, a virada dos anos de 1950 para 1960 é um momento de transição para a representação dos morros cariocas dentre os habitantes da cidade e seus governantes. Tornando-se cada vez mais complexas, a vida nos morros passava a abrigar outras possibilidades de representação que não apenas a de “celeiro da tradição”, o “berço de criminosos” ou local bucólico habitado por uma população humilde e resignada.

A arte de Hélio Oiticica, nessa época, dá uma guinada definitiva em direção ao questionamento radical da relação obra/espectador e seus desdobramentos – criação/apropriação, autoria/consumo etc. Os Parangolés, obras criadas a partir do contato direto com a Escola de Samba e sua dança, traziam em seu primeiro movimento a fusão entre o coletivo e o individual. Eram estandartes e capas em que o uso lúdico do corpo de quem performa a obra faz dela bem coletivo, deslocando-a da autoria de um só para a parceria com qualquer um.

Oiticica e a Mangueira formaram, assim como os parceiros que vestiam seus Parangolés, um “indivíduo-coletivo”, contradição em termos que diz muito do estado de transe que o artista viveu nesse período. Ao se desmanchar na vida cotidiana da escola de samba, da bandidagem, das biroscas do Buraco Quente, Oiticica reformula sua ideia de coletivo e individual, torna-se estrangeiro para se aproximar do estranho ao renegar o familiar para se familiarizar com o outro. Em uma cidade social e racialmente dividida como o Rio, esse passo foi, até hoje, polêmico e revolucionário14.

EXALTAÇÃO A VILLA-LOBOS (1966, LP)

Caravelle LP-NF 6.003 (♬ ouça o LP)

ALA DOS COMPOSITORES DA ESCOLA DE SAMBA ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA

DADOS TÉCNICOS:

Gravado ao vivo, na Sala Cecília Meirelles, gentilmente cedida ao Museu Villa-Lobos.

Técnico de som: Manoel Cardoso
Corte e equalização: T. Oliveira
Capa: Gentileza de Manchete
Lay-out: Luiz Mergulhão
Produção: M. P. Gaetani Produções
Promoção do Museu Villa-Lobos do M.E.C

FAIXAS: A1. 1ª parte do SAMBA de CLÁUDIO e JURANDIR (escolhido para o desfile) + RITMO DA ESCOLA A2. SAMBA de DARCY, LUIZ e BATISTA A3. SAMBA de JANUÁRIO e MANO A4. SAMBA de AYRTON e NEY A5. SAMBA de PELADO, COMPRIDO e HÉLIO TURCO
B1. SAMBA de CLÁUDIO e JURANDIR (escolhido para o desfile) B2. SAMBA de MARRETA e N. MATTOS B3. SAMBA de OLIVEIRA DIVAGAR e JAVILINO B4. SAMBA de PRETO RICO B5. SAMBA de MANO e DELFIM

“O Brasil é o ferro, é a pedra, é o ouro, é a floresta. O Brasil é a terra cheia de sol, é a energia de um homem nôvo, que, recebendo no sangue o sangue das mais vigorosas raças do Universo tem uma inadiável missão a cumprir: a de CRIAR COM VOZ ÚNICA, nascida de um concêrto de vozes encontradas e dispares. O Brasil é o tumulto, a imensidade, o transbordamento”.
(Ronald de Carvalho)

Pode ser que ainda haja por aí alguém “metido a sebo”, que ache ruim pelo fato do Museu Villa-Lobos ter prestado colaboração a uma “Escola de Samba” e por haver dado patrocínio ao lançamento de um disco como êste.
Eu aplaudo a ideia. E, ainda mais: compreendo e avalio o alcance da iniciativa.
Êstes 9 sambas, a rodar nos pratos das “portáteis” baratas, dirão ao povo, que lhes compreende a mensagem ingênua, muito mais e muito melhor quem foi Villa-Lobos do que as cem ou duzentas páginas rebuscadas de uma biografia “bacana”.
Os tempos são marcados por processos e ritmos peculiares. Vivemos numa época em que a dinâmica das promoções não favorece a existência de “tôrres de marfim”.
Hoje, objetivo não é um vocábulo: é objetivo mesmo. Tem que ser “da fábrica ao consumidor”. Os intermediários enfeitam, deformam, para encarecer o produto. Atrapalham tudo…
Temos de ir ao encontro do cliente.
Há necessidade de entrar logo no assunto, senão, corre-se o risco de ficar falando sózinho. A metáfora e o circunlóquio, figuras respeitáveis do passado, foram aposentadas por velhice e invalidez.
O Museu já fêz um sem número de programas de rádio a contar a VIDA e a cantar a OBRA do seu grande patrono.
Publicou livro em que a sua PRESENÇA imorredoura foi assinalada pelos nomes mais expressivos do Brasil e do estrangeiro. Imprimiu CATÁLOGO circunstanciado das suas mil PARTITURAS. Fixou-lhe, no papel impresso, a profusa DISCOGRAFIA. Fêz CURSOS, CONFERÊNCIAS, realizou CONCERTOS e CONCURSOS memoráveis…

AGÔRA, É A VEZ DO MORRO — DEIXEM O POVO FALAR

Eu estava lá, quando o Julinho e o Juvenal foram catar no Museu os primeiros elementos sôbre a vida e os “Feitos do homem”. “Tinham conhecido o Maestro quando êle foi com o Dr. Anisío visitar a Escola”. — “Mangueira êste ano vai homenagear Villa-Lobos”. Era, diziam êles, “o pagamento modesto, porém sincero, de uma dívida a quem tanto fizera pelo nosso querido Brasil”. Mindinha comoveu-se. Pôs-se a trabalhar com êles.
Testemunhei, enternecido, o empenho e a seriedade dessa gente boa na perseguição do objetivo comum: estudando, desenhando, esculpindo, pintando, compondo, marcando, cosendo… Sambando.

Quem viu desfilar no asfalto da Presidente Vargas aquela multidão de sambistas animosos: a cantar e a bater certo nos taróis, a evoluir, com ritmo e graça incomparáveis… Quem viu aquele aglomerado vibrante, coeso, determinado, a porejar ordem e disciplina em busca do triunfo… Quem viu e pôde SENTIR tudo isso, há-de ser lembrado, com saudade, das grandes concentrações orfeônicas no campo do Vasco… Era assim, determinados e coesos “EM DEFESA DA PÁTRIA”, que Villa-Lobos queria ver os brasileiros.
Era assim: animoso e disciplinado, “com uma disciplina espontânea e consciente”, que o fabuloso condutor de massas queria ver o brasileirinho que educava. Era assim, nesse estado de alma, com olhos postos na grandeza dos montes e na vastidão das planícieis que o incitava a empurrar “PRA FRENTE, O BRASIL.”
Quantos daqueles braços musculosos não se teriam erquido, antes quando pequeninos, nas demonstrações magníficas, ou nos coros orfeônicos das Escolas Públicas, a copiar o ritmo ondulante dos coqueirais nordestinos? Quantas daquelas bôcas, sensuais e ardentes não emitiram, quando inocentes e puras, sob a regência e o magnetismo do Mestre, os sons maravilhosos que imitam o fragor dos ventos e o cantar dos pássaros no mistério da floresta esmagadora?
Na fantasia vistosa da cabrocha que fazia cabriolar o estandarte da “escola”, os canutilhos dourados e as miçangas coloridas não conseguiram ocultar a minha saudade à saia azul-marinho e a blusinha branca com que ela cantou, pela primeira vez, os hinos da Pátria.

Quantas vezes ouvi Villa-Lobos referir-se com entusiasmo à disciplina e ao apuro técnico dos orfeões corporativos da Andaluzia. Queria todo o Brasil cantando assim: “UM POVO QUE SABE CANTAR ESTÁ A UM PASSO DA FELICIDADE. É PRECISO ENSINAR O MUNDO INTEIRO A CANTAR”.
Villa-Lobos foi um gigante e, por isso mesmo, foi um bom. Amou como poucos, os humildes e os costumes ingênuos do seu povo.
Vai ficar contente por ver tanta gente cantando.
Há-de se gostar dêstes sambas e das coisas bonitas que para êle compuseram os sambistas da “Mangueira”.
Tenho a certeza de que, quando o disco sair, Villa-Lobos vai ouvi-lo na companhia de seu amigo Johann Sebastian Bach.
Parece que estou a vê-lo no céu, charutão no canto da bôca, gesticulando muito, a discutir com o Konzertmeister de Weimar o valor polifônico dos quartos do tom e a chamar a atenção dos anjos para a musicalidade excepcional do povo brasileiro.

Castro Filho15

Na Luta Democrática (RJ) de 21-1-67, página 8, seção ‘LUTA DEMOCRÁTICA NO CARNAVAL’ uma matéria assinada por Antônio Lemos, Joel Lopes e José Lahud, exaltava esse álbum acima publicado. Texto da matéria: Sambas de Mangueira gravados em long-play — Aconteceu na Sala de Espetáculos Cecília Meireles: Os dez melhores sambas apresentados pela ala dos compositores do GRES Estação Primeira de Mangueira, para o carnaval do ano passado, foram gravados ao vivo, pela etiquêta Caravelle, um long-playing que vem registrando grande sucesso. Exaltação a Vila-Lôbos. Encabeçando os dez mais de Mangueira, está o samba-enrêdo de autoria da dupla Cláudio-Jurandir, intitulado Exaltação a Vila-Lôbos, que tantos aplausos arrebatou da grande multidão na Avenida Presidente Vargas. Sempre é bom lembrá-lo. Eis a linda letra: […]16

ENCONTRO DE GIGANTES

“Quando aquela gente humilde da Escola de Samba Mangueira me procurou para pedir apoio para uma homenagem a Villa-Lobos, percebi que a resposta estava chegando, através da compreensão da obra de Villa pelas camadas mais Populares”

D. Mindinha

Não há a menor dúvida de que a Mangueira era a Escola de Villa-Lobos, e não poderia ser de outro jeito. O maestro tinha um respeito e uma admiração muito grande pela gente mangueirense e, em especial, por Cartola e pelo samba daquela Escola. Isso foi comprovado quando da viagem de Aaron Copland ao Rio de Janeiro, em 1941. Villa-Lobos levou-o a uma audição da Mangueira, pois, segundo ele, “o samba na Mangueira é o mais puro, o mais autêntico”.

A comunidade mangueirense, em festa com a visita de tão ilustre compositor, preparou uma recepção à altura, tendo à frente seu maior expoente, Cartola, acompanhado pelos membros da ala dos compositores da Escola. A apresentação contou com os pandeiros, tamborins, cuíca, surdo, além do canto empolgante das pastoras e de muita dança. Villa-Lobos, que anunciara a sua visita através de um telegrama, ficou muito satisfeito com a recepção proporcionada ao colega compositor, que saiu impressionado com a dança, a cuíca e especialmente o canto.

Esta demonstração de carinho e respeito viria a ser retribuída de forma muito especial e comovente. Tão comovente que, mais tarde, D. Mindinha, fazendo alusão à já famosa e conhecida filosofia villalobiana a respeito de inspiração, declarou:

“Quando aquela gente humilde da Escola de Samba Mangueira me procurou para pedir apoio para uma homenagem a Villa-Lobos, percebi que a resposta estava chegando, através da compreensão da obra de Villa pelas camadas mais populares.”

“Senti emoções indescritíveis por todos os teatros do mundo, vendo Villa reger ou ouvindo sua música, mas poucas vezes chorei como quando, sete anos depois de sua morte, fui convidada a assistir ao desfile da Mangueira, cujo enredo era Exaltação a Villa-Lobos.”

E foi assim que a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira preparou-se de corpo e alma para prestigiar e louvar Villa-Lobos naquele Carnaval de 1966.

No Jornal do Brasil de domingo, 20/2/1966, vinha a seguinte observação: “A Mangueira será a última a desfilar e isto poderá prejudicá-la por causa das suas cores verde e rosa, que não ficam bonitas com o dia já claro.

Qual nada, a Mangueira veio por último disposta a ser a primeira! Seu enredo “Exaltação a Villa-Lobos”, de autoria do carnavalesco Júlio Mattos, o Julinho, foi o ponto alto do Carnaval de 1966. O samba de Cláudio e Jurandir foi dos mais bonitos, e esta beleza sobressaía cantada por aquele imenso coro de pastores e pastoras. O intérprete do samba na avenida foi o cantor Jamelão. Como a gravação dos sambas-enredo deu-se somente a partir de 1967, o samba, tal qual está escrito, foi para nós cantado por D. Neuma e sua filha Guezinha. Mais tarde, pudemos completá-lo e comprovar sua exatidão, através de uma gravação existente no Museu da Imagem e do Som.

O enredo foi dividido em oito partes. Nelas se exaltava a presença de Villa-Lobos entre os chorões; as crianças; os índios; na educação da juventude; no carnaval antigo; no folclore e na natureza; no Brasil e, principalmente, sua vida nos países por onde passou. De acordo com o depoimento do carnavalesco Julinho, a Escola apresentou três alegorias:

“Naquela época não se usava muita alegoria, tinha mais era carnaval de mão. As fantasias e as alegorias foram baseadas nas composições dele. A Primeira alegoria era um carro representando os índios e pássaros da nossa terra, o violão e os chorões simbolizando a seresta. A segunda alegoria vinha com a deusa da música, dois colegiais com uniforme de escola pública e mais algumas crianças brincando de roda. A alegoria era rodeada de notas musicais, e esta era a parte da Educação Musical e das Cirandas. A terceira alegoria mostrava dois anjos anunciando o gênio musical do século, tendo no centro um globo girando, com uma lira em cima, seguido da figura imponente de Villa-Lobos regendo para o mundo.

A viúva foi muito meiga, muito gentil, ela amava mesmo Villa-Lobos e me dava todas as pesquisas que eu precisava. Quando ela foi ao barracão ver a alegoria do maestro regendo, ela desmaiou. A escultura de corpo inteiro tinha dois metros e vinte centímetros.

Na preparação desse carnaval, aconteceu de tudo! Pegou fogo no barracão da Mangueira e destruiu quase tudo! Há até um sobrenatural nessa história, que só de pensar eu me arrepio todo! Quando incendiou as alegorias, eu fui trabalhar embaixo de um viaduto aberto em Benfica, perto do SENAI. Eu tinha tido várias crises de rins e estava muito mal, e quando era por volta das 3 horas da manhã, não agüentava mais e adormeci, deixando o Villa-Lobos em papel maché por terminar. Quando acordei de manhã ele estava todo pronto, todo pintado, e eu estava sozinho e sei que também eu não pintei! Só de pensar me arrepio todo!

Por volta de mais ou menos 1953, eu fiz esse enredo na Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, assim como o Monteiro Lobato. Eu aproveitava os carnavais que fazia lá. Só que era uma Escola muito fraquinha, sem poder financeiro, a Mangueira tinha mais recurso. No Paraíso do Tuiuti fiz só o busto do maestro.

Naquela época, a Escola de Samba era pouco divulgada e muito perseguida pela polícia. Quando a Mangueira resolveu fazer este enredo, a imprensa se interessou em saber como é que eu ia desenvolver o tema, pois eles achavam que o motivo não dava para fazer carnaval, escola de samba, etc… e eu provei, na mesa, que todas as Escolas de Samba do Rio de Janeiro, juntas, não conseguiriam representar toda a obra dele. Não dá, realmente não dá! Tem muita coisa bonita e é muito pouco conhecido, e é uma pena que um grande artista como ele seja tão pouco divulgado. Tenho muita mágoa desse Carnaval de 66. Perdi por um ponto, e ele merecia o campeonato. A viúva na arquibancada estava crente que havia ganho o carnaval! A Mangueira ficou em segundo, com 129 pontos, contra 130 da Portela. Naquela época havia muitos pedidos pros jurados. Esse foi um dos carnavais mais aplaudidos pelo povo!”

Relendo-se os jornais da época, pode-se constatar perfeitamente o clima em que as coisas aconteceram e compreender o porquê da mágoa de Julinho e dos mangueirenses.

“Poucas vezes chorei como quando, sete anos depois de sua morte, fui convidada a assistir ao desfile da Mangueira, cujo enredo era Exaltação a Villa-Lobos”

D. Mindinha

“Portela. Uma pena, mas fracassou. Sem vibração, nem ritmo. Apenas com muito luxo e grandes alegorias, aliás, o forte da escola. De qualquer forma, quem julga é a Comissão e tudo pode acontecer. Para nós, desta vez, infelizmente, a escola não merece mais que o quinto lugar.

Mangueira. Se o julgamento do desfile de escolas de samba dependesse do voto popular, sem dúvida alguma a vencedora deste ano seria a Mangueira. Sua entrada na pista da Presidente Vargas parecia mais a partida para uma guerra, que, no caso, deveria ser ganha de qualquer maneira. A impressão que se teve foi a de que todo o morro da Mangueira tinha descido para ensaiar samba no asfalto. Depois do cansaço de 12 horas de defile, sua entrada triunfal fez muita gente chorar na arquibancada, inclusive Dona Arminda, viúva de Villa-Lobos, o grande homenageado da festa. Suas alas estavam impecáveis, desde a Comissão de Frente até a bateria mirim, que encerrou o desfile. O samba ‘Exaltação a Villa-Lobos’, de Cláudio e Jurandir, foi cantado por quase todos que assistiram ao desfile.”

O Sr. Juvenal Lopes, presidente da Mangueira, quase chorando, fez um protesto:

“O nosso carnaval é feito com suor, lágrimas e sacrifícios. Procuramos o enredo de Villa-Lobos porque este músico foi um incompreendido, como a Mangueira, e enquanto era aplaudido de pé na Europa, suas obras eram desconhecidas no Brasil, da mesma forma que, quando se fala de samba no exterior, se fala no morro da Mangueira. Embora sua escola não agrade nunca ao júri, não pretende mudar seu estilo, pois, para mim, samba é samba, e samba de morro é autenticidade de nossa gente.”

Abrindo um parêntese no texto, transcrevo a seguir as palavras do presidente Juvenal Lopes sobre o resultado:

O PROTESTO
O Sr. Juvenal Lopes, Presidente da Mangueira, quase chorando, fêz um protesto antes de divulgado o resultado, afirmando que a sua escola sempre é a grande prejudicada, embora procure, de tôdas as maneiras, agradar ao povo, descendo o morro com tôda a sua autenticidade trazida de “um mundo de zinco”, que é esquecido até pelas autoridades.
— O nosso carnaval — continuou — é feito com suor, lágrimas e sacrifício, havendo até o caso de um passista que teve que empenhar sua dentadura para tirar a roupa da costureira. Procuramos o enrêdo de Vila-Lôbos, porque êste músico foi um incompreendido como a Mangueira, e enquanto era aplaudido de pé na Europa, suas obras, eram desconhecidas no Brasil, da mesma forma que, quando se fala de samba no exterior, se fala no morro da Mangueira.
Depois de ter constatado a derrota da Mangueira, que ficou em segundo lugar por um ponto, o Sr. Juvenal Lopes disse que, “embora sua escola não agrade ao júri, não pretende mudar seu estilo, pois para isso será necessário entrar outro presidente, porque “para mim samba é samba, e samba de morro é autenticidade da nossa gente”.
Quanto à vitória da Portela, seu único comentário foi o seguinte:
— O azar foi nosso. Como eles ganharam, nós também poderíamos ter ganho: a diferença foi só de um ponto. Não temos nada contra a Portela17.

Quando chegou às nossas mãos o libreto do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira para o Carnaval de 1966, Exaltação a Villa-Lobos, pudemos ver e sentir a seriedade e o esmero com que esta Escola se preparou para o desfile, mergulhando a fundo no imenso caudal que foi a vida e obra de Heitor Villa-Lobos18.

Sherman prejudica Mangueira

CARLOS ALBERTO

Antes que me esqueça. Recadinho para meu particular amigo Maurício Sherman. A turma da Mangueira está louca para comê-lo ao natural. A turma, há dois anos, acha que você prejudica a Escola. Não é por nada não, mas o pessoal está com todos os dentes enferrujados de ódio e existem uns intelectuais que já compraram até a primeira página do “O Dia” e da “Luta Democrática”, para comemorar o feito… Você pelo menos é alfabetizado e se o seu conceito de bom-gôsto joga na reserva do infanto juvenil da sra. Gizela Machado; terrível mesmo é o caso da participação no Juri do Oziel Peçanha. Milhões de cruzeiros são gastos com as fantasias, milhares de horas, sonhos, esperanças, são costurados, em tôdas as cores e bordados. Mulheres, homens, crianças, passam meses trabalhando tôdas as noites para um único desfile e em pleno século 20, convida-se para fazer parte do júri um môço que não tem culpa nenhuma de não entender nada de nada. Na minha opinião, Oziel Peçanha, excelente môço, na intimidade, é inocente. Criminoso foi quem o escalou para participar de um júri tão importante para milhares de pessoas apaixonadas. O Rio tem centenas de músicos excepcionais, dezenas de maestros da melhor qualidade para se dar ao luxo de ter um Oziel qualquer julgando bateria e tantas outras coisas. Na porta da TV-Globo, Natal, uma semana antes do carnaval, apostou 10 milhões contra cinco milhões do Osmar Valença do Salgueiro que Portela ia ganhar. Tinha tanta certeza o Natal que ia ganhar que passou os dias fazendo apostas contra quem quisesse. segundo consta o Natal gosta muito do seu dinheiro. Volto a êste assunto que tem muita piranha nesta praia19.

A INJUSTIÇA DE 1966

Para 1966, Julinho quis inovar. O enredo era uma homenagem ao maestro Heitor Villa-Lobos, realizando pioneiramente uma miscelânea entre as culturas erudita e popular. Era claro para todos o fato de a Mangueira ser a escola de coração de Villa-Lobos e o maestro sempre teve durante sua vida uma admiração muito grande pelo compositor Cartola. A verde-rosa, última escola de samba a desfilar já durante dia alto, contou com a colaboração da viúva do músico, Dona Mindinha, que forneceu uma série de materiais importantes para pesquisa sobre a vida e obra de Villa-Lobos. Julinho já havia confeccionado este enredo anteriormente, na Paraíso do Tuiuti em meados dos anos 50, porém a Mangueira era uma escola de samba grandiosa e elaborar novamente esta temática em uma agremiação mais financeiramente forte permitiria novas possibilidades ao carnavalesco, o que gerou um grande interesse da própria imprensa em saber como Julinho iria desenvolver aquele carnaval. Nos preparativos do desfile, a escola num todo suava muito para realizar uma bela apresentação na avenida, contudo um acidente infelizmente fez o barracão da Mangueira pegar fogo, acabando com os sonhos maiores da comunidade mangueirense em fazer um rico carnaval em 1966. Com quase toda parte cenográfica da agremiação incendiada, o carnavalesco teve que praticamente recomeçar do zero, indo trabalhar embaixo de um viaduto aberto em Benfica. Julinho enfrentou inúmeros obstáculos a fim de terminar aquele carnaval. Houve até um caso de sobre naturalidade ocorrido em meio aquele tormento. O artista continuava confeccionando ininterruptamente os adereços da escola madrugada à dentro, mesmo sofrendo de graves crises de rins. Certo momento, Julinho sucumbiu à exaustão e adormeceu, deixando a escultura de papel-maché de Villa-Lobos por terminar. No dia seguinte, ao acordar, o carnavalesco notou que a escultura se encontrara completamente pronta, inclusive pintada, sendo que não havia ninguém naquele lugar durante a noite a não ser ele próprio. Contando com um ótimo samba-enredo, a Mangueira preparava uma entrada apoteótica na Avenida Presidente Vargas.
Nas palavras do próprio Julinho, “a impressão que se teve foi a de que todo o morro de Mangueira tinha descido para ensaiar no asfalto.”
A impecável escola fez toda a avenida vibrar ao som de um fortíssimo coral de pastoras ao lado do imortal timbre de Jamelão. Como, nos anos 60, ainda era raro o uso de alegorias em desfiles de escolas de samba, Julinho se aproveitou ao máximo deste recurso privilegiável a fim de retratar as composições musicais villalobianas da forma mais clara possível.
O abre-alas, sustentado por mastros em lamê, apresentava a escola através de um estandarte decorativo. Seguiu-se daí uma exaltação a maior inspiração artística de Villa-Lobos, que era a natureza nativa do Brasil, fazendo alusões à fauna e à flora de nossa terra, além de homenagear a riqueza cultural de nossos povos indígenas.
Julinho também ousou em falar do sentimento nacionalista de Villa-Lobos em contemplar toda a cultura de seu país, citando inúmeras manifestações populares de todo o Brasil. Por fim, fora apresentada pela escola a paixão do músico pelos antigos carnavais, o amor de Villa-Lobos por crianças e toda a sua luta pelo direito dos brasileiros à educação, além de descrições sobre a sua vida nos diversos países por onde passou.
Um dos maiores momentos daquele desfile era o carro “Educação musical e das cirandas”, que trazia uma enorme escultura da deusa da música e uma grande ciranda com crianças brincando de roda.
Outro momento marcante da Mangueira em 1966 fora a sua terceira alegoria, contendo anjos dourados anunciando o gênio musical do século, mais um globo terrestre girando, seguido de uma escultura em tamanho real de Villa-Lobos “regendo o mundo”.
O desfile, em um todo, foi digno de ser considerado um dos melhores da história da Mangueira. A escola foi ovacionada e deixou todo o público nas arquibancadas debaixo de lágrimas, inclusive Dona Mindinha, uma vez que, quando os componentes da agremiação souberam que ela estava presente à avenida assistindo o desfile, foi arrastada pelos sambistas para se juntar à festa dos foliões.
Infelizmente, mesmo já sendo tida como campeã, a Mangueira acabou perdendo o título para a Portela por apenas um ponto, que mesmo fazendo uma apresentação considerada fria, conseguiu abocanhar a 1ª colocação20.

MANGUEIRA CHOROU MAS SOUBE PERDER

A Mangueira chorou pela sua derrota no grande desfile do samba fazendo um abaixo-assinado com 1500 assinaturas colhidas ontem naquele “mundo de zinco”, por Dona Neuma — que desfile há mais de 20 anos com sua família na escola — que seria enviado ao secretário de Turismo protestando contra “marmeladas” no júri que consagrou a Portela, mas o documento foi rasgado pela própria autora da iniciativa, por sugestão do presidente Juvenal Lopes, que alegou poder ficar abalado o charme da escola, dando impressão de que “nós não sabemos perder”, com reclamações que nada resolveriam.

Afagando a bandeira da escola de 1959, quando ela foi campeã dona Neuma, a porta-estandarte Mocinha, o mestre-sala Arísio, rodeados por crianças de 6 a 10 anos que já são professôres de samba como José Merullino e Nadja, disseram ontem à LUTA DEMOCRÁTICA que estão decepcionados, mas não derrotados.

— O negócio é levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, disseram. Estamos inconformados não pelo simples fato de perder mas porque nossa escola foi consagrada pelo povo, que a escolheu com seu aplauso, pelo seu samba puro e sem sofisticação, cultivado a 28 anos quando ela desfilou pela primeira vez.

E concluíram:

Mas que houve marmelada, houve… […]21

  1. APRESENTAÇÃO. G.R.E.S.E.P. MANGUEIRA – ENRÊDO PARA O CARNAVAL 1966 – EXALTAÇÃO À VILLA-LOBOS, p. 3 ↩︎
  2. O choro, ou chorinho, é um gênero da música popular brasileira surgido no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Segundo José Ramos Tinhorão, o choro aparece não como gênero musical, mas como “forma de tocar”, por volta de 1870. Sua origem, portanto, está no estilo de interpretação que os músicos populares do Rio de Janeiro imprimiam à execução das danças de salão europeias, principalmente as polcas, a dança mais popular no Brasil desde 1844. O choro tem como matrizes os gêneros luso-africano-brasileiros como a modinha e o lundu, e as danças de salão européias que chegaram no Brasil principalmente na década de 1840: a polca, a quadrilha, a schottich, a mazurca e a valsa, esta última presente no Brasil desde os princípios do século XIX. Em um primeiro momento, portanto, o choro consistiu em um estilo de interpretação da música importada, consumida nos salões e bailes da alta sociedade do Império. Sob o impulso criador dos “chorões”, a comunidade de músicos populares, as danças europeias foram “abrasileirando-se”, adquirindo feições genuinamente nacionais. [Wiki] ↩︎
  3. A Semana de Arte Moderna, também chamada de Semana de 22, ocorreu em São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal da cidade. O governador do estado de São Paulo da época, Washington Luís, apoiou o movimento, especialmente por meio de René Thiollier, que solicitou patrocínio para trazer os artistas do Rio de Janeiro: Plínio Salgado e Menotti Del Picchia, membros de seu partido, o Partido Republicano Paulista. Cada dia da semana trabalhou um aspecto cultural: pintura, escultura, poesia, literatura e música. Participaram da Semana nomes que mais tarde seriam consagrados no modernismo brasileiro, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti, Agenor Fernandes Barbosa entre outros, e como um dos organizadores o intelectual Rubens Borba de Moraes que, entretanto, por estar doente, dela não participou. A Semana de Arte Moderna representou uma tentativa de renovação da linguagem artística e cultural, na busca de experimentação, na liberdade criadora e na ruptura com o passado. A Semana foi canonizada e incensada na história do Brasil como o momento de fundação de um universo de pensamento todo novo e genuinamente brasileiro. [Wiki] ↩︎
  4. G.R.E.S.E.P. MANGUEIRA – ENRÊDO PARA O CARNAVAL 1966 – EXALTAÇÃO À VILLA-LOBOS, p. 456 ↩︎
  5. Uirapuru de forma geral, são pássaros ativos, que se locomovem muito rapidamente. Alimenta-se de frutas e, principalmente, de pequenos insetos. Tem os pés grandes, plumagem pardo-avermelhada, laranja, entre outras. Vive em meio à floresta úmida, nas Guianas, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia e em quase toda a região amazônica brasileira. O canto mavioso emitido é longo e melodioso, parecido com uma flauta, e só é ouvido ao amanhecer. Na cultura popular do Brasil, é citado pelo poema sinfônico de Heitor Villa-Lobos. [Wiki] ↩︎
  6. Mangueira lutará pelo título com “Exaltação à Vila-Lôbos”. Luta Democrática (RJ), 19 fev. 1966, p. 4 ↩︎
  7. EXALTAÇÃO À VILLA-LOBOS, samba-enrêdo (66) de Jurandir e Claudio, com côro, em disco ESCOLA DE SAMBA E.P. DE MANGUEIRA EXALTAÇÃO À VILLA-LOBOS, Caravelle LP-NF 6.003 (1966) ↩︎
  8. IVAN, Mauro. MANGUEIRA VAI SAMBAR EM LOUVOR A VILA-LÔBOS. Jornal do Brasil (RJ), 23/24 jan. 1966, Cad. B, p. 8 ↩︎
  9. LEMOS, Antônio. MANGUEIRA É MAGNÍFICA E EXALTARÁ VILA-LÔBOS. Luta Democrática (RJ), 2 fev 1966, p. 4 ↩︎
  10. Escolas de Samba Confirmam o Prestígio de Ponto Mais Alto do Carnaval Carioca. O Globo (RJ), 23 fev. 1966, p. 11 ↩︎
  11. SAMBA É CAMPEÃO. Jornal do Brasil (RJ), 24 fev. 1966, Cad. B, p. 6 ↩︎
  12. BONIFÁCIO, Aroldo. INCÊNDIO DESTRÓI BARRACÃO E ENRÊDO DOS MANGUEIRENSES. Correio da Manhã (RJ), 25 jan. 1966, 2. ° Caderno, p. 5 ↩︎
  13. Incêndio dá prejuízo de 20 milhões à Mangueira. Luta Democrática (RJ), 26 jan. 1966, p. 5 ↩︎
  14. Hélio Oiticica na Mangueira. [s.d.] – Disponível em: <https://riomemorias.com.br/memoria/helio-oiticica-na-mangueira/>. Acesso em: 02 out. 2023 ↩︎
  15. FILHO, Castro. Contracapa, In: Escola de samba E.P. de Mangueira – Exaltação a Villa-Lobos [S.l.]: Caravelle LP-NF 6.003, 1966. LP ↩︎
  16. LEMOS, Antônio. Sambas de Mangueira gravados em long-play. Luta Democrática (RJ) de 21 jan. 1967, p. 8 ↩︎
  17. Alegrias e tristezas acompanharam apuração. Jornal do Brasil (RJ), 26 fev. 1966, p. 5 ↩︎
  18. PAZ, Ermelinda A. VILLA-LOBOS E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: Uma visão sem preconceito. 2004, p. 54-59 ↩︎
  19. ALBERTO, Carlos. Sherman prejudica Mangueira. Tribuna da Imprensa (RJ), 28 fev. 1966, p. 2 ↩︎
  20. [S.d.] – Disponível em: <https://www.facebook.com/avantemangueira/?locale=pt_BR>. Acesso em: 15 out. 2022 ↩︎
  21. MANGUEIRA CHOROU MAS SOUBE PERDER. Luta Democrática (RJ), 27/28 fev. 1966, p. 9 ↩︎