A Saga dos Fenícios
Revista de Carnaval – Mangueira 2001

A Seiva da Vida

Eu sou a essência do samba a minha raiz é de bamba sou Mangueira o tronco forte que dá fruto a vida inteira

Se fosse para resumir em poucas palavras, ficaria mais ou menos assim: a verde e rosa vai levar à Marquês de Sapucaí a história do comércio, partindo dos fenícios e chegando à essência do carnaval, representada pela Estação Primeira de Mangueira. Mas assim não tem graça nenhuma.

Para explicar com mais fidelidade o que o presidente da Mangueira, Elmo José dos Santos, e o carnavalesco Max Lopes pretendem mostrar na Passarela do Samba, só mesmo embarcando com as palavras na viagem que eles imaginaram com cores, luzes, formas, essências e sons. Aí ficaria mais ou menos assim: uma nau soberba parte de um porto fenício, ás margens do Mar Mediterrâneo, em busca de novas conquistas. Feita de cedro — madeira que é a própria essência da vida para o povo fenício —, a embarcação avança mar adentro, com seus remos reluzentes decorados com esfinges, deixando para trás Canaã, a terra prometida.

A nau cruza os oceanos e vem dar na costa brasileira. Aqui, extasiados diante da exuberância na natureza tropical, os fenícios deixam registros de sua passagem, como as misteriosas inscrições no alto da Pedra da Gávea. Isso bem antes de Cabral, é bom que se diga. De Canaã, outras naus buscam novos destinos, cobrem todo o Oriente, alcançam o Ocidente, espalham pelo mundo a cultura fenícia e sua principal vocação: o comércio. Através dele, os povos trocam informações, apliam seus horizontes, ingressam em uma nova era. No Brasil-Colônia, é a hora da volta dos fenícios, desta vez como mascates. São os turcos, os libaneses, os sírios, os judeus, os palestinos, — grupos que hoje convivem em, harmonia no Saara,1 no coração do Centro do Rio. E, no país do carnaval, todos se juntam para celebrar a alegria, sambando e cantando na avenida com a Mangueira — tal como o cedro para os fenícios, a essência maior do reino do samba.

Ficou melhor assim. O primeiro enredo verde e rosa do milênio — A Seiva da Vida — não deve mesmo ser resumido em poucas palavras. Seria um equívovo e uma injustiça. A história concebida pelo carnavalesco Max Lopes é uma epopéia digna de um daqueles memoráveis filmes produzidos em Hollywood por Cecil B. De Mille. “Há provas de que os fenícios estiveram no Brasil antes de Cabral”, diz ele.

Max sacramenta como fato histórico a presença dos fenícios no Brasil e leva à Sapucaí um carro abre-alas que representa a nau de cedro singrando os mares em direção ao paraíso tropical. A Nau Fenícia é uma alegoria impressionante: tem ao todo 37 metros de comprimento e dois tripés acoplados ao corpo principal. Max chama a atenção para os remos ricamente decorados e com movimentos compassados. “È o início da viagem”, diz ele, num convite. A partir daí, a Mangueira vai colocar na pista mais seis carros e 29 alas bem divididas (cinco em média por setor de desfile).

O segundo carro da escola na avenida retrata o encantamento dos fenícios diante da beleza tropical brasileira. Brasil, fantástica natureza, é uma tela naturista com muito verde e rosa, flores e frutos, efeitos de água e destaques seminus. Nas alas que se seguem ao carro, Max mostra toda a maestria do desenho de fantasias com motivos de flora e fauna brasileiras e o uso equilibrado de cores fortes. Cabe aqui, aliás, um registro do grau de envolvimento do carnavalesco com o resultado final de suas alegorias na pista. É muito comum, sobretudo nos dois meses que antecedem o desfile, a presença no barracão de modelos, manequins, atores, atrizes, sarados e saradas de forma geral. Vão em busca de um lugar de destaque nos carros, os mais focados pelas câmeras. Embora tenha uma equipe de assistentes encarregada de selecionar a turma e tirar medidas dos candidatos para compor as fantasias, é Max quem faz a seleção final. Ele numera os queijos — as plataformas circulares sobre a qual se equilibram os destaques — e entrega a cada selecionado um crachá com número correspondente. Se alguém trocar de lugar, o homem vira uma fera.

A MANGUEIRA, TAL COMO O CEDRO FOI PARA OS FENíClOS, É A ESSÊNCIA MAIOR DO REINO DO SAMBA

Depois da passagem pelo Brasil, o enredo aponta suas baterias ao Oriente. Há três setores inteiros dedicados à influência fenícia por lá, O terceiro carro, Inspiração Assíria, é uma referência à arquitetura grandiosa dos templos, com suas imensas colunas, e à arte da escultura. O quarto promete ser uma das gratas surpresas do desfile, uma alegoria digna de figurar numa daquelas produções hollywoodianas. A Construção do Templo do Rei Salomão terá como destaques atores de teatro que vão representar a confecção do fantástico palácio que o soberano mandou erguer para a sua amada Rainha de Sabá. O que não faz a paixão? Coração invadido pela beleza negra da rainha africana, Salomão mandou construir como prova de amor o monumento em cedro — ele mais uma vez — com incrustações em ouro, bronze e diamantes. Max esconde o jogo, mas não consegue esconder um sorriso de satisfação: “Este vai ficar bonito.”

Afora a panicipação dos atores no carro do templo do Rei Salomão, Max não vai utilizar recursos cênicos de impacto no desfile. Haverá outras intervenções cênicas pontuais, e uma delas com certeza vai arrancar aplausos da platéia — e assobios, no caso ela ala masculina; a dança do ventre, uma sensual herança do Oriente entre nós. “Não teremos muito mais que isso. Particularmente não gosto de alas ensaiados porque, se fizer uso desse recurso em demasia, eu esqueço o samba. Claro que as encenações vão estar no desfile, até para ilustrar determinadas partes do enredo para a platéia. Mas poucas pessoas defendem com mais ardor do que eu o samba no pé”, faz questão de resgistrar Max Lopes.

O quinto carro introduz uma parte do enredo com vários ícones do imaginário popular. A magia do Oriente tem como base os mercados de rua persas e a essência do comércio fenício: o cedro, a tinta púrpura, o vidro, os vasos utilitários, os tecidos. Max reservou para esse setor sua verve despojada e alegre, quebrando o ritmo das fantasias suntuosas e mais pesadas dos dois blocos anteriores do desfile. Vão passar pela avenida Aladim e o Gênio da Lâmpada, Ali Babá e os 40 ladrões, sultões e princesas.

O penúltimo carro, Mercadores e Mascates, marca o retorno dos fenícios, desta vez como mascates sírios, turcos, libaneses na época do Brasil-Colônia. Trazem na bagagem panelas, sementes, especiarias, tecidos. A saudável convivência desses povos no Saara, a zona comercial de rua mais famosa do país, é um dos pontos altos do setor. E também esta a mais forte referência ao Rio de Janeiro no enredo — sem contar, evidentemente, a própria Mangueira e o requebro de suas mulatas, o contraponto de sensualidade tupiniquim à dança do ventre.

Do “cedro de boa cepa”, como define o carnavalesco em sua sinopse do enredo, a escola vai alcançar uma árvore frondosa, de sombra farta, raízes profundas e frutos generosos. É o talento da Mangueira fechando o desfile na Sapucaí. O último carro não poderia ter nome mais apropriado: A seiva do Carnaval. Sobre ele, 45 pessoas, sendo 22 baluartes da escola, representam a nata do samba verde e rosa. “O povo da Mangueira também vai ao Saara fazer compras mas, no carnaval, é ele quem vende um produto genuíno: a alegria”, resume Max Lopes.2

SINOPSE DO ENREDO

O escrever e o contar, o pintar e o rezar, o comprar, vender e trocar, o saber e ensinar, e pelos mares navegar – tudo na vida teve um início.

Até onde alcança o nosso olhar, a seiva da vida vem de um tempo muitas vezes secular, e da saga de uma gente singular – o sábio povo fenício.

Do cedro, madeira leve e de bom cerne, faziam os fenícios seus barcos de fundo amendoado, e das terras de Canaã saíram em busca da aventura da conquista. Amantes da beleza, singravam os mares e levavam seu saber às mais remotas paragens, deixando sempre as marcas de uma nova civilização.

Da Ásia Menor ao Ocidente, a seiva da vida se derramou pelo mundo, a ele ensinando tudo que os povos não tinham como contar uns aos outros. O saber navegava naquelas naus graciosas, de um lado a outro da terra, semeando paz e colhendo encantamento.

Aqui na terra do carnaval, muito antes de Cabral, olhos fenícios espantados, extasiados, descobriram a exuberância tropical. Uma sinfonia de cores e de aromas nunca dantes conhecidos, e de seres mágicos, dotados de delicadas asas de arco-íris, merecem desenhos e inscrições em pedras, em grutas, até hoje indeléveis, como gritar, ou a cantar, para todo os sempre : estivemos aqui.

Navegar é preciso, sabiam eles, que sabiam tudo que até então era possível saber. Plantaram formas, contornos, adornos, modos de fazer, de construir. Da Assíria e seus templos suntuosos colheram inspiração para erguer o mais belo dos palácios, que o Rei Salomão ofertou a uma deusa negra africana de rara beleza, a Rainha de Sabá. Colunas de cedro, incrustadas de bronze e ouro, esse monumento ao amor, templo de paixão, celebra a vida e ensina o mundo a viver em harmonia.

No vai-e-vem dos mares, erguendo o belo em seus altares, a civilização fenícia difundiu a cultura, a literatura, criou a troca e inventou o comércio. No Líbano e em todo o Oriente, esse povo onipresente vendeu de tudo um bocado, tornando a rua o seu mercado. O cedro, a tinta púrpura, e quanto mais houvesse, os mercadores da riqueza, arautos da beleza, faziam do grito um canto, e das palavras uma prece.

Cantar, dançar – de que melhor maneira perpetuar essa cultura tantas vezes secular ? A dança do ventre, ritual, sensual, ficou para sempre. Atravessando o tempo, dois milênios depois, ela permanece autêntica, excitante, de uma graça inata – em si mesma, e no requebro da mulata. Veio para cá na bagagem dos árabes, turcos, libaneses, mascates em geral, para manter a saga fenícia no país do Carnaval.

Que bela parceria, toda essa encantaria ! Irmãos no amor, no vigor, na energia, fizeram o Saara e toda a sua gritaria, alegre como o dia, que o Rio canta com samba e alegria. O cedro de boa cepa se faz aqui em novo produto, que além do mais dá um fruto, à sua maneira – é verde, é rosa, traz a seiva da vida e do Carnaval e se chama Mangueira.

É ela quem passa altiva, garbosa, fenícia e feliz, alegre e faceira, como sempre quis. Proclama em seus versos que a vida é bela, o povo é senhor e o samba é raiz.

Carnavalesco: Max Lopes
Texto: Osvaldo Martins
Pesquisa e texto: Marcos Roza

História e fantasia em verde e rosa

Tema da Mangueira para 2001, de Max Lopes, fala dos fenícios e faz lembrar o estilo de Joãosinho Trinta

Alessandro Ferreira, Marcelo de Mello e Pedro Motta Lima

Para esquecer a ressaca dos enredos históricos que marcaram o carnaval dos 500 anos do Brasil, nada melhor do que uma história fantasiosa. Essa é a aposta da Mangueira para 2001, com o enredo “A seiva da Vida’, contando a saga das (supostas) andanças dos fenícios pelo Brasil, antes mesmo de Cabral, e sua influência na cultura ocidental.

A escolha do tema marca uma mudança na Verde-e-Rosa: o carnavalesco Alexandre Louzada deu o lugar a Max Lopes, que volta à escola depois de 16 anos para tentar repetir 1984, quando foi campeão pela Estaçação Primeira com “Yes, nós temos Braguinha”.

A escolha do enredo (sugerido por Max, que acredita piamente na passagem dos fenícios pelo Brasil) causou polemica. Alguns compositores reclamaram, alegando que o tema era de difícil compreensão. Mas a diretoria apoiou a proposta. Segundo o presidente da Ala dos Compositores, Anésio dos Santos, o Comprido, essas reclamações partem de pessoas que não tem ligação com a Mangueira:

— É perfeitamente possivel compor um samba a partir da sinopse que foi entregue, desde que o cara entenda de samba.

O enredo foge do estilo de Max. Fenícios, gregos, babilônios e outros povos antigos são uma marca do carnavalesco Joãosinho Trinta, atualmente na Acadêmicos do Grande Rio. Já o carnavalesco da Mangueira (e a própria escola) tem sido vitorioso com temas tradicionais. Ele foi campeão na Imperatriz em 1989 celebrando o centenário da Proclamação da República com “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós’, na linha patriótica que caracterizava os carnavais antigos.

Com o enredo dividido em duas partes (antes e depois de Cristo), a Mangueira abrirá o desfile representando a influência dos fenícios (surgidos há três mil anos, na região onde hoje fica o Líbano) na cultura ocidental. Será destacada a habilidade politica (os fenícios priorizavam as negociações pacíficas, na base da diplomacia) e para o comércio. Aqui aparecerá o cedro, que era chamado de árvore da vida pelos antigos povos do Oriente Médio e muito usado nas construções fenícias, sendo matéria-prima dos barcos com que se fazia comércio em regiões distantes.

Esta parte lança a dúvida: os fenícios estiveram no Brasil? Os pesquisadores da escola garantem que sim e dizem que eles deixaram marcas dessa passagem, como as até hoje polêmicas inscrições gravadas na Pedra da Gávea.

A segunda parte vai trazer a escola para a época da chegada dos imigrantes libaneses (descendentes dos fenícios) ao pais, a partir de 1860. A Mangueira vai atribuir a eles o pioneirismo na prática do comércio ambulante, originando a figura do mascate. A narrativa termina, como não poderia deixar de ser, entronizando a Estação Primeira de Mangueira como a seiva que dá vida ao carnaval. As eliminatórias do concurso de samba-enredo acontecem aos sábados e o vencedor será conhecido em 14 de outubro.

Fenícios no Brasil. Com "A seiva da vida", Mangueira contou a história de uma das mais antigas civilizações e sua influência no comércio.
Fenícios no Brasil. Com “A seiva da vida”, Mangueira contou a história de uma das mais antigas civilizações e sua influência no comércio.
Foto: Cezar Loureiro/Agência O GLOBO

Fenícios estiveram no Brasil

Max Lopes

• O carnavalesco da Mangueira, Max Lopes, garante que não é só fantasia: os fenícios estiveram mesmo no Brasil, muito antes de Cabral e sua esquadra aportarem por aqui.

O GLOBO: Não soa falso uma história considerada fantasiosa como verdade?

MAX LOPES: Fantasiosa por que? Os fenícios estiveram no Brasil, embora muita gente diga o contrário. Se não foram eles que fizeram as inscrições na Pedra da Gávea, então quem foi? É isso que pretendo mostrar.

Mas isso já não esteve presente em outros desfiles? O do Salgueiro de 1975 (“O segedo das minas do rei Salomão”), por exemplo?
MAX: Aquele enredo era sobre a busca pelos tesouros do rei Salomão, apenas citava os fenícios. Não há termo de comparação com o que contará a história do povo e sua influência na cultura ocidental, que é enorme.

Você encontrou alguma resistência na escolha do tema? Alguns componentes dizem que o enredo é complicado.
MAX: Não sei quem falou isso, mas para mim ninguém disse nada. Estou trabalhando normalmente. Encontrei uma estrutura muito profissional na escola.

Será um desfile caro?
MAX: Não sei quanto dinheiro temos porque não me envolvo com essa parte. Sou um artista, não um contador. A diretoria não está medindo esforços para realizar um desfile de alto gabarito, com todos os recursos necessários. O empenho deles me contagia.

E os sambas? Alguns compositores dizem que a sinonse do enredo não ajuda muito.
MAX: Entreguei uma versão simplificada. Quem acha difícil não sabe fazer.3

História e fantasia em verde e rosa

Bons frutos colhidos de uma antiga civilização

Escola contará saga dos fenícios, que conquistaram os mares e podem ter estado no Brasil antes de Cabral

A Mangueira vai mostrar todo o fascínio que as descobertas e a cultura fenícias exercem sobre a carnavalesco Max Lopes. Mais do que isso, com o enredo “A seiva da vida”, a verde-e-rosa vai contar a saga desta civilizaçâo que fez com que o homem despertasse para a navegaçâo, o comércio, a religião e a escrita. Defende também a teoria de que os fenícios já tinham estado no Brasil muito antes de Cabral.

— É um tema forte e fascinante. A seiva do cedro foi o que possibilitou aos fenícios construírem as melhores embarcações e ganhar o mundo. E tem tudo a ver com a Mangueira, a árvore que dá bons frutos, a seiva do carnaval — explica Max.

Místico, o carnavalesco preparou sete — número cabalístico — grandes carros alegóricos. Conhecido como “mago das cores”, Max fez uma mudança radical nos tons de verde e de rosa da escola. Ele dividiu as cores por setores, numa combinação harmoniosa. As fantasias, ele garante, são leves para que os mangueírenses possam mostrar o que têm de mais tradicional: o samba no pé.4

Bons frutos colhidos de uma antiga civilização

Semente e raiz

Ao fechar seu desfile com a Velha Guarda repleta de glórias, a Mangueira deixará na pista novas sementes para a história do samba. E fará uma homenagena especial a Dona Neuma, falecida ano passado, a matriarca da nação mangueirense. O presidente Elmo José dos Santas garante que será um tributo inesquecível: “o povo verá a Dona Neuma na passarela. Mas este é um segredo trancado a sete chaves. É um fecho de ouro para um enredo que tem tudo a ver com a Mangueira e a com a história de Dona Neuma”.

Para ele, Dona Neuma é uma árvore que espalhou frutos por toda a comunidade. “E a sua família está levando essa herança adiante, basta ver a Chininha, a Cici, a Guezinha e a neta Neuci, todas com cargos de direção na escola. O Max Lopes foi muito feliz ao fechar o desfile com as nossas crianças, representando as sementes, e os nossos baluartes. É a própria seiva do carnaval”, acrescenta o presidente.

Elmo revela que o carnavalesco optou por contar a história do comércio fenício, tentando passar uma mensagem de paz. A escolha do cedro como a seiva da vida que dá nome ao enredo também foi estratégica. Madeira leve e de fácil manipulação, o cedro não foi apenas a matéria prima básica para a construção das embarcações fenícias. De aroma forte, foi a matriz dos primeiros perfumes. A Mangueira montou uma estrutura de empresa para fazer seu carnaval e isso se refletiu até mesmo no clima do barracão às vésperas do desfile. “Eu trouxe a minha equipe de confiança e aqui encontrei muito respeito por parte dos dirigentes”, afirma Max.

De fato, essa estrutura quase de fábrica — o trabalho é dividido, há pessoas responsáveis por cada área — foi montada pelo presidente da Mangueira, com o apoio dos demais dirigentes. “Isso permitiu que a escola fechasse o mês de janeiro com 90% do seu carnaval pronto”, afirma um orgulhoso Elmo, antes de concluir mais vaidoso ainda: “Fevereiro foi um mês dedicado a testes e arremates”.5

Desfile completo 2001 ✱ vídeo

Mangueira emociona Sapucaí

Ameaçada de não contar com duas de suas mais tradicionais figuras — o intérprete do samba enredo, Jamelão, e dona Zica, viúva do compositor Cartola, ambos de 88 anos —, a Estação Primeira de Mangueira apostou na emoção para ganhar o Carnaval. Com o enredo “A Seiva da Vida”, criado pelo carnavalesco Max Lopes, a escola foi a única a ser recebida com gritos de “é campeã” pelo setor 1 — mas a empolgação não contagiou o restante do público, que acabou emocionado com uma homenagem feita a dona Neuma, figura tradicional da escola que morreu no ano passado.

Eu sou a essência do samba A minha raiz é de bamba… Dona Zica desfilando na comissão de frente da Mangueira, em 2001, prestando uma bonita homenagem à amiga Neuma.
Eu sou a essência do samba A minha raiz é de bamba… Dona Zica desfilando na comissão de frente da Mangueira, em 2001, prestando uma bonita homenagem à amiga Neuma.
Foto: Cezar Loureiro/Agência O GLOBO

Embalada pela voz de Jamelão, que pela primeira vez desfilou sentado no carro de som, após ficar cerca de duas semanas internado, com problemas de circulação nas pernas, ao som de versos que dizem o que a Estação Primeira representa — “Eu sou a essência do samba, a minha raiz é de bamba. Sou Mangueira, o tronco forte que dá fruto a vida inteira” —, dona Zica surgiu no meio da comissão de frente na homenagem à sua velha amiga, de forma surpreendente e que levou muitos mangueirernses às lágrimas.

Com coreografia de Carlinhos de Jesus, 15 componentes representavam os Mercadores da Alegria, uma espécie de mascates que transportavam um carrinho com um banquete de especiarias, que se tranformava em troco de onde surgia dona Zica; enquanto um dos mascates estendia um tapete com o nome de dona Neuma, ela se aproximava e jogava duas rosas vermelhas sobre ela. A presença de dona Zica, que tivera um problema de pressão no início da manhã de segunda-feira e chegara a ser internada, animou os componentes da escola.

Pela primeira vez, a Mangueira desfilou com algumas componentes com os seios à mostra e, com a proibição de usar fogos de artifícios, usou de criatividade e soltou balões de gás nas cores da escola, que lançavam sinalizadores de localização marítima, também em verde e rosa.

A bateria da Mangueira sob a direção de José Luiz Custódio, o Mestre Russo, foi a mais numerosa dos desfiles, com 320 componentes, e deu também a sua paradinha, mas não total, deixando o surdo mantendo a marcação.

Os problemas foram poucos, mas podem tirar bons pontos. O mais grave foi o buraco entre o último carro e a ala anterior, devido à dificuldade para a sua entrada no sambódromo. Foi preciso acelerar muito o carro, para cobrir o espaço, em uma verdadeira correria pela pista. Um outro problema foi com um adereço representado por dois camelos, formados por três pessoas — um deles caiu e quebrou e os diretores da harmonia retiraram o outro rapidamente, levando-o para o local reservado ao recuo da bateria.6

Mangueira emociona Sapucaí

Sambas da Estação Primeira de Mangueira ♪

  1. A Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega é uma associação formada pelos comerciantes que atuam nas proximidades da Rua da Alfândega, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, no Brasil. O termo “Saara”, por extensão, é utilizado para se referir à região abrangida por essa associação, região essa que é famosa por abrigar lojas especializadas em artigos populares. ↩︎
  2. Revista de Carnaval – Mangueira 2001 p.6-10 ↩︎
  3. FERREIRA, Alessandro; MELLO, Marcelo de; LIMA, Pedro Motta. “História e fantasia em verde e rosa”. O GLOBO (RJ) n.24.494, 21-9-00 ZONA NORTE (n.925), p.14-15 ↩︎
  4. “Bons frutos colhidos de uma antiga civilização”. O GLOBO (RJ) n.24.651, 26-2-01 CARNAVAL 2001, p.7 ↩︎
  5. Revista de Carnaval – Mangueira 2001 p.12 ↩︎
  6. “Mangueira emociona Sapucaí”. TRIBUNA DA IMPRENSA (RJ) n.15.605, 28-2-0, p.7 ↩︎