Alcyone Barretto

Escolher enredo, na Mangueira, é ato coletivo, é resolução da Comissão de Carnaval, e não imposição de um carnavalesco. Assim, decidir qual seria o Carnaval de 1980 levou tempo, muitas reuniões e o examinar de inúmeros enredos até quando Ciro Ramos sugeriu Coisas Nossas.

Coisas Nossas era apenas um titulo, faltava o enredo, mas, após muitas discussões, Coisas Nossas deixou de ser mera sugestão para surgir como um enredo desenvolvido pela Comissão de Carnaval. E o enredo se desenvolveu em forma de painel para se dividir em onze quadros, abordando aspectos da vida brasileira — cultura, esperanças, crenças, diversões, costumes etc.

O primeiro quadro — ÍNDIOS — é uma homenagem ao Cacique Juruna e ao nosso desejo de proteger as reservas indígenas.

Quando o mundo sofre consegüências da crise energética a esperança de a Petrobrás encontrar petróleo no MAR é coisa nossa.

Musical é o povo brasileiro e a Mangueira escolheu o FREVO para representar as nossas músicas e as nossas danças.

TROPICÁLIA é sol, alegria, pomar multicor. É o descansar na rede e o jeitinho de resolver problemas. TROPICÁLIA, o 4º quadro do enredo, é uma exaltação ao tropicalismo que é “coisa” que não se entende, que não se explica, mas que é muito nossa.

Brasil Tri Campeão. Futebol, glória e alegria de um povo. Ora, se não fosse a PELADA inexistiriam nossos campeões e jamais a Jules Rimet teria sido coisa nossa.

É certo que somos invadidos pela música estrangeira e nas dissonantes discotecas parte da nossa juventude se diverte. É certo, também, que a música dolente reagiu e com toda a força voltou a GAFIEIRA, muito antiga coisa nossa.

O jogo de RONDA, em que pese a proibição, jamais deixou de existir nos morros, nas esquinas e nos becos, pois, o carioca sempre entendeu que ronda é coisa nossa.

Oitavo quadro: Superstições — Sexta-feira 13 dá azar, pé de coelho, ferradura e trevo de quatro folhas dão sorte, enquanto faz mal gato preto atravessar nosso caminho, vassoura atrás da porta espanto visita, arruda tira mal olhado…

As tradicionais baianas, as nossas tias, evoluirão no quadro Rezadeiras, é o agradecimento dos Mangueirenses pelas curas realizadas através das rezas aos Orixás.

PAGODE não se programa, nasce expontaneamente onde existe violão, malandros, mulatas, feijão com tudo dentro, vontade de cantar e dançar.

Baile de Carnaval é o último quadro, com piratas, tirolezas, colombinas e tantas outras fantasias. A Estação Primeira de Mangueira, coisa nossa, que alegra o carnaval de rua terminará o desfile saudando aqueles que brincam no carnaval de salão.

Após desenvolver o enredo, a Comissão de Carnaval passou a se preocupar com o visual, pois hoje não se ganha carnaval somente com samba, bateria, pastoras e harmonia, é preciso satisfazer valores que não são dos que fazem samba e sim dos que o consomem.

Democraticamente a Comissão de Carnaval resolveu que a Escola viria com três alegorias — Plataforma Submarina, Gafieira e Concurso de Fantasias — muitos tripés, estandartes e adereços.

Visual pede artista plástico e, disso sabendo, a Comissão de Carnaval foi até a Ilha do Fundão, bateu às portas da escola de Belas Artes e para o morro da Mangueíra trouxe as professoras Liana Silveira e Ecila Cirne a fim de que ambas dessem cor ao enredo, figurinassem as fantasias e criassem as alegorias e adereços. E elas tonalizaram os verdes e rosas criando uma gradação, além de utilizarem a neutralidade do branco como forma de valorar as cores da Mangueira, pois, o uso do branco quebrará a interferência cromática da Avenida no verde e rosa e, assim, o contraste será aumentado sobresaindo as cores da Escola.

Abram alas. Ai vem a Estação Primeira de Mangueira, que é povo e para o povo apresenta COISAS NOSSAS1.

  1. BARRETTO, Alcyone. “APRESENTAÇÃO DO ENREDO COISAS NOSSAS”. Revista MANGUEIRA CARNAVAL 80, p.3. ↩︎