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Mangueira leva magia dos baianos à passarela

ALBA VALÉRIA MENDONÇA

Tem tudo para dar certo. A magia dos baianos Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa, a garra da verde e rosa Mangueira e a ânsia em conquistar um título almejado há quase oito anos são ingredientes que o carnavalesco Ilvamar Magalhães usará no carnaval de 1994. O enredo “Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu“, de “Doutor André”, contará a trajetória de 30 anos de quatro das maiores expressões da MPB. Não importa a paixão, poucos resistirão a este “trio elétrico”.

Ilvamar não esconde a satisfação com que vem trabalhando na Mangueira. Já aprontou e distribuiu os figurinos das 30 alas da escola. No momento, se dedica à criação das fantasias dos integrantes dos dez carros alegóricos. Ele faz questão de salientar que tudo está dentro dos prazos previstos:

— A Mangueira foi uma das primeiras escolas a aprontar seus figurinos. Como desenvolvo o enredo sozinho, tenho condições de impor o meu ritmo ao trabalho. Acredito que um desfile de escola de samba é uma obra de arte e, como tal, a concepção do enredo deve ter uma assinatura única.

Além de prestar uma homenagem aos Doces Bárbaros, o carnavalesco vai aproveitar o enredo para mostrar que não há rivalidade entre o carnaval baiano e o carioca:

— Elementos das duas festas estarão presentes no desfile, um integrando o outro. Embora sejam festas diferentes, são grandiosas e bastante receptivas. E a Mangueira vai estar de braços abertos para receber e homenagear figuras tão importantes da Bahia e da música brasileira.

No ritmo verde e rosa

A vida destes ilustres baianos será contada em verde e rosa desde o encontro dos quatro, na Bahia, até o final apoteótico da união dos consagrados artistas na Passarela do Samba. Algumas das fases mais conhecidas da trajetória de cada um serão desenvolvidas por Ilvamar Magalhães. Entre elas, ressalta a Tropicália, movimento liderado pelos quatro, e o show Doces Bárbaros, que marcou época em suas carreiras. Mas não faltarão menções às passagens individuais dos intérpretes baianos.

Quanto às cores da escola, serão mantidas sempre que possível. O que não impede Ilvamar de usar vermelho, por exemplo, nas fantasias da ala que vai representar a música “Lua de São Jorge”, de Caetano, ou manter as cores da ave “Carcará”, um dos maiores sucessos de Bethânia.

Ilvamar acredita que, com este enredo, a Mangueira conseguirá reunir elementos importantes para chegar à conquista do campeonato. O carnavalesco frisa que como a música está inserida no carnaval, a assimilação da homenagem pelos 4.500 componentes da escola e pelo público será fácil. Mas acrescenta que foi trabalhoso condensar a obra dos quatro.

— Optamos por reunir o trabalho dos quatro para mostrar a arte dos Doces Bárbaros. E o que é melhor, eles são mangueirenses — conta o Ilvamar.

Segundo ele, Gil e Caetano ficaram fascinados com a idéiã. Gal, assim que soube da homenagem, entrou em contato com a escola. Ao convidar Bethânia, os diretores presentearam a cantora com a bandeira verde e rosa.

Ilvamar Magalhães responsavél por todo o visual da Mangueira.
Ilvamar Magalhães responsavél por todo o visual da Mangueira.
Foto: Octales Gonçalves/REVISTA Mangueira Carnaval 1994

Um carnavalesco em alto astral

Entusiasmo é a palavra de ordem de Ilvamar Magalhães. E nem poderia ser diferente. O carnavalesco também está radiante com o fato da sua música instrumental “Correnteza”, interpretada por Heitor Lumambo, estar no hit parade dos Estados Unidos. Vivendo um dos mais gratificantes momentos de sua carreira, como carnavalesco e músico, ele lamenta apenas a falta de tempo para compor e pintar. Mas espera poder transportar toda essa energia para o desfile da escola:

— A Mangueira é uma escola de contrastes. Ela é idolatrada ou odiada. Não existe meio termo. Tem muita força e pulsação junto ao público, o que faz com que seja muito cobrada na Avenida. Seu desfile é sempre aguardado com muita expectativa.

Com total liberdade de criação Ilvamar conseguiu reerguer a escola — que em 1991 amargara uma humilhante 12° colocação — no desfile seguinte, levando a Mangueira a sexta colocação, homenageando o compositor Tom Jobim. Este ano, a verde e rosa voltou a se apresentar bem e empolgou o público. Com o enredo que ressaltava a própria escola, foi considerada uma das favoritas, mas acabou na quinta colocação. Agora, o carnavelesco promete superar as expectativas.

— A Mangueira está sendo vista de outra maneira pelas demais. Está se modernizando, sem deixar de lado as suas raízes. Está apenas tirando o mofo do que é velho e dando o verdadeiro valor ao que é tradicional. No próximo carnaval a escola promete uma grande festa na Avenida, não só pelas personalidades que serão homenageadas, mas também pelo samba e por ser simplesmente a Mangueira.1

SINOPSE DO ENREDO

Caetano Veloso e Gilberto Gil são, sem dúvidas, dois dos maiores compositores desse País.

Maria Bethânia e Gal Costa são, sem dúvidas, duas das maiores cantoras desse País.

Cada um deles, individualmente, seria um belo tema enredo para qualquer escola de samba do Rio de Janeiro. Suas composições ou interpretações já se tornaram imortalizadas no mercado fonográfico brasileiro.

Gil e Caetano já formaram parcerias com o mais alto escalão dos compositores nacionais – Chico Buarque, Djavan, Milton Nascimento, Tom Jobim, Jorge Benjor entre outros.

Bethânia e Gal já gravaram os maiores nomes da nossa música. Além dos compositores aqui citados, elas já cantaram Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Cartola, Ary Barroso, Dorival Caymmi, Pixinguinha e outros tantos não menos famosos.

O interessante é que esse quarteto elétrico e fantástico sempre teve elo de ligação muito forte, na música e na vida. Não dá prá falar de um sem citar os outros. Todos adoradores de João Gilberto (considerado o Papa da Bossa Nova) de onde colheram as primeiras influências, para depois seguirem em estilo próprio e inigualável.

Seria o óbvio falar dessas quatro figuras, monstros sagrados da nossa música, mas Gil e Caetano são compositores tão criativos que caminham juntos com a modernidade dos tempos.

Roteiro do Desfile - Carnaval 1994
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Em cada uma de suas composições encontramos o sabor daquilo que gostaríamos de ouvir e falar. Eles têm uma linguagem verdadeira com o toque mágico da poesia nos mais simples temas que abordam. Intérpretes fabulosos, cantam na mais clara forma. Às vezes doce e ternos, às vezes com charme e suingue mas sempre de uma maneira toda especial. Como descrever tamanhas personalidades musicais? Como falar de Bethânia, aquela mulher esguia e iluminada que rouba a cena quando diante de seu público entoa com voz quente e marcante, aquilo que só ela poderia cantar? Sua performance vocal e interpretativa faz das músicas que canta definitivas. E Gal? A que estirpe angelical pertence?

Seu canto é suave e doce. Sua voz é única e absoluta! Deus te deu o dom do canto, a doçura no teu timbre, e assim, tua voz inebria a todos que a ouvem cantar. Damos graças ao bom Deus por ter nos dado não só um, dois, três mas sim quatro anjos cuja missão nessa terá é espalhar sobre este Brasil, coisas belas à nossa música.

Em 1965, Bethânia iniciaria a sua decolagem para o estrelato. Deixaria Salvador rumo ao eixo Rio – São Paulo para substituir Nara Leão no show “Opinião”. Era o sucesso!

A década de 60 fervilhava com os grandes festivais da canção. Gil e Caetano já “tropicalizavam” geral. Gil, acompanhado também pelos Mutantes (grupo que tinha Rita Lee), emplacava com “Domingo no Parque” e Caetano, sem lenço e sem documento, mexia com a cabeça da ditadura com “Alegria, Alegria”.

Gal, ou melhor, Gracinha (como era carinhosamente chamada) já dava o ar da sua graça. Ao se apresentada a João Gilberto, quis mostrar que sabia cantar. Ainda tímida, cantou “Mangueira” a pedido do mestre que ao final foi taxativo: – Você é a maior cantora do Brasil. Nessa mesma época, Gracinha conheceu Caetano que, assim como João Gilberto, profetizou que ela seria a maior cantora do Brasil. E hoje ela é GAL COSTA.

Em 1968 nasce um dos principais movimentos da Música Popular Brasileira. A tropicália mudaria de vez o cenário da MPB. Tinha discurso, inteligência, energia e rebeldia. E tinha também o calor e a sedução da voz de Gal.

A Tropicália durou pouco (terminou no mesmo ano com a prisão e o exílio de Gil e Caetano) mas, mesmo assim, escreveu de vez o seu nome na história da Musica Popular Brasileira.

Antes de partir, Gil compôs e gravou um verdadeiro hino de amor e saudades: “Aquele abraço” explodiu nas rádios do País.

Exilados em Londres, recebiam a visita dos amigos do Brasil e numa dessas visitas Gal ouviu uma canção de Caetano – “London, London”. Gal gravou e a música foi um delírio nas rádios também.

Anos mais tarde (precisamente em 1976) quando Gil e Caetano já estavam de volta ao Brasil os quatros e juntaram de novo e formaram um grupo chamado “Os Doces Bárbaros”. O Sucesso do grupo foi estrondoso. Os Doces Bárbaros lotaram o Canecão que batera todos os recordes de bilheteria e público na época. E foram dois meses de sucesso!

A Mangueira mostrará um carnaval leve, solto, descontraído, assim como é o carnaval da terra dos baianos.

Dividido em quatro partes, a primeira mostrará o Carnaval da Bahia com o povo saltitante pelas ruas, grupos afros que fazem parte desse carnaval. Será uma alusão aos nossos homenageados, que ali nasceram, vivendo quando crianças e adolescentes, até o início de seus estrelatos. Mostrando também a religiosidade que está tão presente na vida destes baianos.

A segunda parte mostrará um compacto de cada um deles. Composições e interpretações desses quatro monstros sagrados da MPB. Será realmente um compacto, pois são tantas as coisas magníficas que compõem suas vidas musicais que precisaríamos de outros carnavais para se falar de todas.

A quarta e última parte falará da grandiosidade da maior festa popular do mundo – o nosso carnaval. E por ser tão grandiosa não temos espaços para mal entendidos entre duas cidades tão importantes e esplendorosas como Salvador e Rio de Janeiro, que possuem carnavais diferentes mais incríveis. E com essa homenagem, a Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro, mostrará para o mundo o perfil de quatro grandes artistas que sempre souberam honrar e dignificar essa grande Bahia que é de todos nós.

E é por tudo isso, por tudo que Gil, Caetano, Bethânia e Gal representam para a MPB, pelas interpretações históricas que emocionaram, enamoraram e embalaram diversas pessoas e carnavais por esse País afora, que nós não temos dúvidas em afirmar que, durante os desfile das escolas de samba do grupo especial na passarela dos sonhos, no carnaval de 1994, mais precisamente durante o desfile da Estação Primeira de Mangueira, que a avenida se transformará numa magnífica e apoteótica festa. E…

Atrás da verde-e-rosa só não vai quem já morreu.

Ilvamar Magalhães2

A Sapucaí em peso foi atrás da verde e rosa
Toda a platéia da Sapucaí se pôs de pé para cantar Atrás da verde-e-rosa só não vai quem já morreu. A Mangueira desfilou com uma empolgação espetacular, e os doces baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethania, homenageados pelo enredo, eram parte da alegria. Gal esbanjou energia e axé no carro onde recebeu a consagração (foto). A tropicália encheu a Sapucaí de encantamento com as cores de suas alas.
Foto: Sérgio de Souza/Manchete (RJ), 19-2-94
  1. MENDONÇA, Alba Valéria. ‘Mangueira leva magia dos baianos à passarela’. O GLOBO, RJ. n.21.837, 5-9-93. Leopoldina, p.12 ↩︎
  2. Sinopse de Enrêdo do G.R.E.S.E.P de Mangueira para o Carnaval 1994. ‘Atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu’. Autor do Enrêdo/Carnavalesco: Ilvamar Magalhães. Presidente: Roberto Firmino dos Santos. ↩︎