Mangueira vai à Zona Sul e lança enredo para 89

Escola desce o morro de paêtes - Chico Recarey, Carlos Machado e Valter Pinto: a Trinca de Reis da Mangueira Dilmar Cavalher/Jornal do Brasil
Chico Recarey, Carlos Machado e Valter Pinto: a Trinca de Reis da Mangueira
Dilmar Cavalher/Jornal do Brasil

Segunda-feira à noite, a Mangueira vestiu-se de paêtes e desceu o morro para lançar oficialmente, num restaurante da Zona Sul, seu enredo para o carnaval de 89: Trinca de Reis, uma homenagem a três reis da noite carioca: Válter Pinto, Carlos Machado e Chico Recarey, este último, dono do restaurante Un, deux, trois, aliás, o local da festa.

A idéia do enredo é de Jorge Ramalhete, um mangueirense nascido da Praça 11, filho de lavadeira espanhola — como faz questão de ressaltar — e um dos 4 mil e 500 funcionários da rede de 33 casas noturnas de Recarey. Em discurso emocionado, Ramalhete revelou que seu sonho era ver a Mangueira desfilando com De menino a rei, Chico Recarey. Mas poderia parecer “puxasaquismo”. Ele então lembrou-se de homenagear também aqueles de quem, segundo Ramalhete, Recarey herdou o título de rei da noite: Carlos Machado e Válter Pinto.

Pode ser que alguém não concorde e como que suspeitando de possíveis críticas, Ramalhete afirmou no seu discurso: “É um enredo de verdade, quer a esquerda queira ou não”. Indagado sobre o que isto queria dizer, ele preferiu não se aprofundar no assunto.

A Mangueira, ali representada por suas figuras máximas, parece que gostou do enredo e sentiu-se em casa na festa regada a coquetel de frutas, uísque escocês para os VIPs e generosos canapés. A canja de Jamelão (desfiando Lupicínio Rodrigues sem esconder que cochilava entre uma estrofe e outra), Bete Carvalho (recordando sucessos de Cartola) e Alcione (cantando sambas-enredo da escola) ajudou a criar o clima conhecido dos componentes.

No final, dona Zica, dona Neuma e toda a diretoria da Mangueira chegaram a fazer um samba de roda embalados por sambas enredos da escola tocados em fita. Antes, Watusi arrancou aplausos com uma dramática interpretação de Me deixa em paz, de Monsueto.

Trinca de Reis mostrará um pouco da vida e muito da obra dos homenageados e será desenvolvido por Alcione Barreto e Julinho Matos, que garantiu ser este o seu último trabalho. Os shows produzidos nos cassinos por Machado, criador dos espetáculos floor-show (sem palco, ao lado das mesas da boate) e autor de Rio dos 400 janeiros, entre outros que marcaram época, estarão no desfile da Mangueira, assim como as famosas revistas de Válter Pinto, que deslumbraram platéias colocando uma cachoeira no palco.

Machado, 79, sempre sorridente, distribuiu release falando do “povo sincero, modesto e bom que sofre e trabalha o ano todo e só encontra três dias para ser feliz”. Válter Pinto, que não revelou a idade, recordava os tempos em que fazia 17 espetáculos por semana: “Agora acham muito 40 horas semanais”.

Recarey (que garantiu aos incrédulos que ainda faria 40 anos) lembrou sua cidade natal, Santiago de Compostela: “O presidente Sarney também é devoto de Santiago Apóstolo e me disse que teve muita sorte ao bater cabeça para Santiago, antes das eleições”1.

  1. “Escola desce o morro de paêtes”. JORNAL DO BRASIL (RJ) n.34, 12-5-88 Cidade, p.2. ↩︎