— Obrigado, bateria. Obrigado, pastoras.

Quando o samba silencia, o quarentão Padeirinho, com um sorriso de despedida, acena antes de descer do palanque, passo incerto, como se estivesse com pena de deixar o tamborim. Mangueira, a Estação Primeira, onde êsse sambista tem tradição e é respeitado na roda de bambas, recebeu um dos donos calados de nossa música popular, depois de uma ausência de oito anos.

Nascido em Laranjeiras (a 5 de marco de 1927) e criado em Mangueira, autor de umas 500 composições — 47 gravadas, pelo menos seis obras-primas — Oswaldo Vitalino de Oliveira usa gíria como ninguém e em sua linguagem melódica, segundo o critico de música popular Franco Paulino, “há um cheiro de transformação”.

Festa de Mangueira na volta de seu sambista Padeirinho
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Dez horas da noite. O ensaio vai começar. O sambista sobe no palanque, pega o microfone, e canta sua composição. As pastôras em silêncio, ouvem com respeito. A bateria entra em cena e todo o morro parece sambar.

“Oi Iaiá, onde está meu tamborim / não posso ir pro samba assim / o diretor de bateria não vai gostar…”*

— Eu queria fazer alguma coisa que falasse do meu retôrno à Ala dos Compositores, como fêz Osvaldo Nunes quando voltou ao Bafo da Onça.

Padeirinho começou com o samba em porta de tendinha. Não entendia muito da coisa, mas estava sempre a compor. Um dos primeiros sambas foi “Vão acabar com a Praça 15”, cuja letra não consegue lembrar. Por isso resolveu começar a arquivar suas composições num caderno de estudante que guarda escondido no barraco.

Sempre sonhou em entrar para Ala dos Compositores mas tinha complexo de inferioridade:

— Na Ala só tinha gente que era baluarte do samba: Cartola, Alfredo Português — já falecido — Geraldo da Pedra, Zé Ramos e por aí afora. Eu ficava meio acabrunhado até que o destino me ajudou. A irmã do Geraldo gostou de mim e fêz tudo para me convencer a entrar. Fiz o teste e passei. O presidente era o Cartola.

“Mangueira desceu pra cantar” foi ouvido pela diretoria e censurado por ser a música do hino da Marinha. Explicado o motivo, a tristeza não foi tão grande porque o samba “pegou” mesmo na cidade.

Estivador, não

Padeirinho — assim chamado por ser filho de padeiro — é aquela vocação pura do sambista nato, falando a saborosa giria carioca, sem os vícios da fama. Compõe para o morro sambar.

Há muito tempo um amigo meu tinha brigado com a noiva. Chegou pra mim e pediu um samba, só de gírias, que era pra chatear a menina. A princípio eu não quis. Mas ele insistiu tanto que tiz o “Mora no Assunto”*. Quiseram apresentar a música para o diretor Francisco Ribeiro. O “cara” escutou durante cinco minutos e mandou parar. Censurada. Mas acontece que as pastoras gostaram e sempre que o samba era tocado, a sede de Mangueira enchia de gente. O “Chico” foi obrigado a aceitar. E no final do ano estava até gostando.

“Mora no Assunto” foi gravado por Jamelão sem autorização de Padeirinho. Como o autor do samba não entendia nada gravações não ligou muito.

— Aí o pessoal começou a reclamar comigo, dizendo que isto não era legal. Resolvi falar com o Jamelão e demorei três meses até conseguir assinar contrato. E sabe do que mais? Êsse negócio de gravação não é comigo. Eu não vivo disso, meu amigo, não sou estivador e gosto mesmo é de compor na calada da noite.

Padeirinho começóu a despertar interêsses com êste samba. Quem ouvia, gostava e comentava com o vizinho: “é de um tal de Padeirinho”. Apesar dê ter 47 músicas gravadas, não gosta da burocracia das gravadoras.

Mangueira

Rua Icaraí, 227. No ponto mais talto do morro existe um barraco onde o tamborim nunca para de tocar. É o lar de Padeirinho. A birosca de D. Carmem é seu ponto de parada, antes da subida longa que faz todos os dias, depois do trabalho. E é “Favela”* sua composição preferida.

Para carnaval, Padeirinho se considera muito preguiçoso:

— A gente tem que ter dinheiro e paciência, e eu prefiro lançar o samba e ficar na moita. Quando gravei “Colher de Chá”*, há muitos carnavais passados, aqui ninguém conheceu. Mas em Santa Catarina tirou o primeiro lugar. Isso tudo é comércio e eu não gosto de me aborrecer.

Apesar dos muitos sambas Padeirinho é funcionário público, Trabalha no Tribunal Regional Eleitoral na seção de material. Quando falta seu patrão fica sem almoço, porque é êle que leva a marmita. Às 11 horas, todos os dias, esse sambista boêmio está no anonimato de uma repartição pública e trabalha batucando mentalmente um samba de terreiro.

Um professor

A gíria carioca, introduzida no samba, é o traço mais característico dêste sambista desconhecido. Com humildade é que êle enfrenta o seu dia-a-dia.

“Padeirinho não é sômente um dos mais ilustres sambistas brasileiros” — diz Sérgio Cabral. “Êle é também um “cara” importante para os que se interessam pelo estudo do linguajar do malandro carioca, o qual êle utiliza com talento inventivo e fidelidade nos seus sambas. Primeiramente, Padeirinho simplesmente transcreveu êsse linguajar e, depois, partiu para “traduzi-lo” na sua excelente “linguagem de morro”, num samba* que deveria ser conhecido por todos os estudiosos de nossa língua. Outro aspecto importante em Padeirinho é sua impressionante capacidade de improvisar — um tipo especial de talento — que faz dêle uma das figuras máximas do nosso samba de partido alto. Por isso mesmo, dificilmente dará certo montar um show com a participação dêle, como tentei certa vez, porque o tempo normal de um espetáculo seu é muito pequeno para a capacidade de Padeirinho improvisar. Num partido, Padeirinho é artista para uma noite inteira de tiras geniais”*.

  1. NÃO POSSO IR POR SAMBA ASSIM, samba de Padeirinho, com Silvinho do Pandeiro, em disco Continental CS-50.397 (1972); ↩︎
  2. MORA NO ASSUNTO, samba de Padeirinho e Joaquim dos Santos, com Jamelão, acompanhado de Conjunto, em disco Sinter 00-00153 (matriz S-320), lançado em 1952; ↩︎
  3. FAVELA, samba de Padeirinho e Jorginho Pessanha, com Tantinho, em disco “TANTINHO canta Padeirinho da Mangueira”, Independente (2009); ↩︎
  4. COLHER DE CHÁ, samba de Padeirinho, com Germano Mathias, em disco “CARNAVAL 1964”, Odeon MOFB 3374 (1963); ↩︎
  5. LINGUAGEM DO MORRO, samba de Padeirinho e Ferreira dos Santos, com Jamelão, acompanhado de Astor e Sua Orquestra, em disco Continental 18019 (matriz 18.019-B), lançado em 1961; ↩︎
  6. Texto FIELMENTE transcrito do Jornal O GLOBO, n.13.618 de 16-9-70, p.13 — Imagem JPEG 336 KB ↩︎
Festa de Mangueira na volta de seu sambista Padeirinho
O GLOBO (RJ), 29-9-70. Matutina, p.13

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