Mangueira faz Samba para festa do povo
Sérgio Porto, década de 60
Foto do Estúdio Emerico Rio/Coleção Ângela Porto

Do lundu dos escravos, no princípio do Império, até o sofisticado sambinha bossa nova, soprado em surdina por um conjunto de boate, tudo é samba! Depois que um tatatatáravô (se me permitem o têrmo) do divino Cartola bateu o primeiro atabaque, lá pras bandas da África, até o momento em que Chico Buarque de Holanda preparou um uísque e ficou às margens do seu violão, tentando uma melodia nova para o seu próximo disco, o samba sempre foi samba.

Era samba aquilo que a Sinhàzinha ia espiar os negros dançando nos jardins do solar, como era samba o maxixe do começo do século, que nascia e renascia tôdas as noites nas casas de Tia Ciata — onde se criou Buci Moreira; Tia Amélia — a mãe de Donga; Tia Prisciliana — a mãe de João da Baiana. A avó daquele garôto de cara bexiguenta, que o apelidou de Pixinguinha, em sua língua arrevezada de africana, cantarolava a música que alguns anos depois daria oportunidade ao neto de se tornar genial; e a música que ela cantarolava era samba.

Quando Chiquinha Gonzaga compôs a primeira música para carnaval, a marcha-rancho que introduziu na História da Música Popular o bloco “Rosa de Ouro”, também já fazia samba, embora lhe desse o nome de corta-jaca. E Caninha principiava a ter cartaz na voz do povo. Fazendo o quê? Samba, naturalmente!

Os “Oito Batutas” foram para a Europa tocar samba, pela primeira vez, para francês ouvir, embora tenha sido um francês — Jean de Lery — que, em 1553, se interessou pela música brasileira, recolhendo canções indigenas. E estas, com o correr do tempo, se incorporaram ao samba, pois tudo e todos foram se unindo em tôrno do samba.

Quando, em 1917, num disco da Casa Edison, saiu impressa pela primeira vez a palavra “samba” (Disco Odeon 121.313, sêlo azul, pela Banda Odeon, logo depois saiu outro, cantado pelo Baiano, 121.322, sêlo vermelho), o samba já era sambado por todo o Brasil, no bumba-meu-boi maranhense, nos côcos da Paraiba, nos maracatus do Recife, nos candomblés da Bahia, e até em Paris, onde o bailarino Duque, maxixava nos cabarés de luxo.

E por aí foi, nos teatros da Praça Tiradentes, no Bola Preta, na voz de Caymmi ou Ataulfo, no pistom de Bonfiglio de Oliveira ou na clarineta de Luiz Americano. Uma das suas maiores glórias foi a fundação da primeira academia de samba, modestamente Estação Primeira, de Mangueira, onde se reuniram, no dia 28 de abril de 1928, Cartola, Carlos Cachaça, Gradim, Chico, Setembrino, Marcelino e tantos outros para o importante evento. Tudo era samba, então. E, por causa dêle, um jovem soldado da Polícia Militar amarrou o cavalo num poste e subiu a Mangueira para ser batizado com o nome sonoro de Nelson Cavaquinho.

Mas, se todos cantavam, dançavam ou tocavam samba, tinham a seu favor a liberdade de escolher seus temas. Êste exaltava a Bahia, aquêle cantava a valentia do nordestino, o outro punha música em sua dôr-de-cotovelo, mais adiante um sambista explicava a sua escola.

Não havia — nem deve haver — regulamento para o samba, que nasceu livre e sòmente livre continuará a se expandir. É o que pensa a Estação Primeira, com justa razão. E assim, sai êste ano com um tema revolucionário: “Samba, Festa de um Povo”. Se, até hoje, cada um cantou seu samba como quis, porque aprisionar num tema impôsto por regulamento nascido nos tempos da ditadura, o que Mangueira deve cantar?

Mangueira é samba… festa de um povo!!!

SÉRGIO PÔRTO1

  1. Transcrito de EDIÇÃO ESPECIAL DE GALA – Revista “Samba, Festa de um Povo” enrêdo do G.R.E.P. Escola de Samba de Mangueira para o carnaval de 1968. Sérgio Porto: Mangueira faz Samba para a festa do samba. (p.4-5). ↩︎