SIMONA GROPPER

E o carnaval chegou, com sua atração maior: as escolas de samba, com suas fantasias luxuosas, cobertas de pedrarias e lantejoulas, brilhando ao longo da avenida, na noite iluminada. E desfilam as porta-bandeiras, as passistas leves e ligeiras, os destaques imponentes e ricos.

E esquecem-se as desavenças, as rivalidades entre as escolas, na alegria de desfilar, na preocupação de mostrar-se o melhor possível, para ganhar. E cada porta-bandeira se esforça em ser a melhor êste ano. Mas, como sempre, cada uma delas, após o desfile, e durante o resto do ano, passará a afirmar que é a campeã e sempre tirou grau dez.

amor maior de neide: sair de porta-bandeira da mangueira
amor maior de neide: sair de porta-bandeira da mangueira
NEIDE, A PORTA-BANDEIRA

Uma voz profunda e sensual, um rosto personalíssimo, um jeito exuberante e extrovertido, eis Neide, a porta-bandeira da Mangueira. Nascida e criada no morro da Mangueira, começou a sair com 9 anos, na Ala das Flôres. Depois, saiu de baiana até os 15 anos, quando começou sua carreira de porta-bandeira.

— É bom, sabe. Dá sensação saber que a gente vai disputar com outras, e tem que ganhar! E enquanto a gente fizer os pontinhos para a escola, tudo está bem. Se não puder mais, se tiver outra melhor, então acho que é obrigação nossa de mangueirense ceder o lugar.

A família tôda é da escola, sempre como porta-bandeira e mestre-sala. Os primeiros foram Marcelino e Raimunda. depois vieram os tios da Neide, Arlindo Conrado e Lina. E agora, uma sobrinha sua está sacudindo o chicote ao lado da bandeira. Os sobrinhos são da Ala Mirim, só não gostam de carnaval as suas irmãs.

— Há um ano estou aqui em Benfica, na vila. Mas não gosto não, que o morro é melhor. Mas meu sogro saiu daqui, ofereceu a casa e eu vim. Anderson, meu filho mais velho, de 9 anos, é um dos passistas mirins. A menina, Sílvia, ainda não pode sair que só tem 2 anos. Para sambar, meus filhos não me trazem problemas, que minha mãe e a Dindinha, minha madrinha, olham por êles.

Neide conta que só começou a sair com 9 anos, porque não podia: o pai era doente, a mãe lavava muito para fora e alguém tinha que cuidar da casa. Aos 14 anos começou a trabalhar fora. Começou como balanceira numa fábrica de massas, depois foi doméstica, trabalhou numa fábrica de tecidos e num laboratório. Agora, só trabalha fora antes do carnaval.

— Que chega o carnaval, não há dinheiro, todo mundo se anima para trabalhar. Pois é triste ver os outros vestidos e a gente sem fantasia. A gente não tem coragem de ir para a rua, nem mesmo de chegar na janela.

— O chato de se ter família para cuidar é que tem que se ir aos ensaios já pensando na hora de voltar. Gosto é de ir para o samba sem preocupação. Às vêzes, venho do ensaio já de madrugada e ainda vou passar a camisa do Carlos, meu marido, para o dia seguinte. Êle sai na Diretoria. Diz que não, mas acho que êle vai mais é por minha causa.

neuma, da mangueira, acha que já está ficando velha e não tem mais o mesmo fôlego de antes para brincar, mas nem assim vai deixar de sair
neuma, da mangueira, acha que já está ficando velha e não tem mais o mesmo fôlego de antes para brincar, mas nem assim vai deixar de sair
NEUMA, DA MANGUEIRA

— O dia que deixar de sair, não sei se vou me conformar. Que o carnaval não é vaidade. Está no sangue. É gostosa a sensação de dar alegria e contagiar o povo com a nossa. Um dêsses anos, fiquei doente bem na época do carnaval. Os outros vieram me ver, já fantasiados, e me deu uma tristeza tão grande que chorei os quatro dias.

Assim sente Neuma da Mangueira o carnaval carioca. Filha de Saturnino Gonçalves, primeiro presidente da escola, aos 7 anos de idade, saiu com a escola pela primeira vez, em 1929, ano da fundação. Sempre vestida de baiana, até 51, quando começou a sair na Ala das Caprichosas. Agora, sai na Diretoria.

Neuma está encarregada do Departamento Feminino da Mangueira, tendo organizado o desfile infantil. Ao todo, são cerca de 200 crianças — 120 baianinhas, 20 malandrinhos, 20 baterias, 12 Luís XV e 12 damas — com uma comissão de frente fazendo a mesma coreografia que a dos adultos.

— O que vale é vencer na moral, para podermos ampliar a nossa quadra e criar um departamento de saúde, que precisamos de assistência médica e enfermaria. Uma parta do dinheiro já conseguimos arrecadar com os nossos ensaios.

Neuma não gosta de roupa comprida e pesada. Vai sair bem simples, numa espécie de melindrosa, com capa de gase, nas côres da escola, verde e rosa. O enrêdo da Mangueira é Samba, Alegria do Povo. E, segundo ela, a Mangueira vem bonita, cada ala é um destaque.

— Quando nos dão a vitória, é que sentimos como somos queridos. Quando perdemos, queremos saber quais foram as falhas, para corrigirmos. E procuramos melhorar sempre, nos desfiles e na organização interna da escola. A criação do Departamento Feminino, há um ano, é uma prova. Foi idéia da Zinha, um dos estaques, e ao todo são 25 mulheres, dando fôrça no ensaio.

JUPIRA É DESTAQUE

Jupira vem representando a Bahia, no enrêdo dêste ano da Mangueira. Sua baiana é destaque e, portanto, ricamente bordada em pedrarias e lentejoulas. Há sete anos, vem saindo na Mangueira, antes como Jupira e Suas Cabrochas. Mas, com conjunto não se pode fazer o que se quer, por isso, o melhor é sair sózinha, acha ela.

Antes de vir para a Mangueira, trabalhava como sambista, com Carlos Machado, em boate, rádio e televisão. Agora, está com 52 anos “e para sambista tem muito brôto dando sopa, de modo que resolvi parar. Mas a idade para o samba não morre e vim para a Mangueira”.

Foi como fabricante de perucas que veio para a Mangueira, para fazer as cabeleiras do enrêdo, isso em 1959. Depois, foi convidada pela Zinha a participar e saiu pela primeira vez em Rio Antigo, enrêdo que trouxe o primeiro lugar para a escola.

Êste ano, não está muito confiante na vitória: “Estou com mêdo. Quando a Mangueira vem muito bonita, parece até que dá azar”.

GIGI DA MANGUEIRA

Êste ano, saindo de Carmem Miranda, numa fantasia onde o rosa predomina sôbre o verde. Ê a primeira vez que faz parte do enrêdo, simbolizando a parte final do carnaval dos adultos. Atrás dela, vêm as crianças, é o carnaval de amanhã.

Há seis anos na Mangueira, Gigi saiu sempre de passista e pretende continuar enquanto fôr possível. Antes de desfilar em escola de samba, Gigi gostava muito de ir a bailes de carnaval, mas diante do samba que se faz na escola, muito superior e mais autêntico, nunca mais brincou nos bailes. […]1

  1. GROPPER, Simona. “na avenida, elas hoje são as rainhas”. JORNAL DO BRASIL (RJ) 25/26-2-68, REVISTA DE DOMINGO p.4-5. ↩︎