Frevo Caiu no Samba
Carnaval 2008 – Mangueira
Foto: Sérgio Fonseca

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“Nossa idéia é mostrar as várias manifestações do Recife, um caldo variado de cultura popular, unindo à Mangueira, na homenagem ao frevo”. Essas palavras foram ditas por Max Lopes, carnavalesco da Estação Primeira de Mangueira em 2008 — enrêdo: “100 anos do Frevo, é de perder o sapato. Recife mandou me chamar…” — no texto que transcrevo a seguir (Revista de Carnaval 2008 – Mangueira), aonde é abordado como a Escola desfilou na Avenida. Nessa postagem, além desse texto, trago bastante material relacionado a esse Carnaval (2008), que infelizmente, não traz boas recordações aos mangueirenses. Além do 10° lugar na classificação geral, vários “problemas” afetaram o desempenho da agremiação nesse ano. Cito a não homenagem ao centenário de um de seus fundadores, e tálvez, seu maior representante, Angenor de Oliveira, Cartola, como exemplo. Enfim, boa leitura, espero que goste, lembrando que esse post como todos publicados no blog, estão em constante ATUALIZAÇÃO.

Frevo vai cair no samba no desfile da Mangueira

Escola receberá verba de Recife para fazer enredo sobre o ritmo

Letícia Lins

• RECIFE. Com centenário comemorado no ano passado — quando ganhou registro de patrimônio imaterial e cultural do Brasil pelo Ministério da Cultura — o frevo vai marcar presença no Sambódromo no próximo ano. A Mangueira vai levar para a avenida em 2008 o enredo “Cem anos de frevo: Recife mandou me chamar”. Para garantir o desfile, a prefeitura de Recife e a agrerniação fecharam ontem um co-patrocínío, pelo qual a verde-e-rosa receberá R$ 3 milhões.

O valor que a prefeitura de Recife dará à escola corresponde a quase a metade das despesas estimadas para o desfile, que são de R$ 6,6 milhões, segundo o presidente da Mangueira, Percival Pires. Ele pretende captar o resto dos recursos através das leis de incentivo à cultura. Percival e o carnavalesco Max Lopes passaram ontem o dia em Recife e receberam do prefeito João Paulo Lima e Silva material para o desenvolvimento das fantasias, alegorias e até mesmo textos com informações sobre o frevo, que vão ajudar os compositores a produzir o enredo.1

SINOPSE DO ENREDO

“100 anos de frevo, é perder o sapato. Recife mandou me chamar…”

100 anos de frevo, é perder o sapato. Recife mandou me chamar…

Introdução

De onde veio ninguém sabe. Só sabemos que é pernambucano da gema, nasceu em Recife. Não se sabe em que Beco, Rua ou Avenida ele apareceu, simplesmente apareceu. Sempre anunciado tal como uma Majestade, por clarins. Sua certidão de nascimento…ninguém sabe, ninguém viu. Não foi registrado em nenhum cartório, “nasceu em Recife”, nome não tem, simplesmente um apelido: “Frevo”. Quem deu? Foi o povo. Frevo que vinha da frevura, lembrava a fervura do tacho de mel do Engenho de açúcar. Precisamente no Bairro São José se criou, no meio do povo. Em 09 de fevereiro de 1907, o maior Jornal da época começou a fazer referência a ele.

Frevo

ORIGEM

Esta dança teve origem nos movimentos da Capoeira. A estilização dos passos foi resultado da perseguição inflingida pela Polícia aos capoeiras, que, aos poucos, sumiram das ruas, dando lugar aos passistas. Em meados do século XIX, em Pernambuco, surgiram as primeiras bandas de músicas marciais, executando dobrados, marchas e polcas. Estes agrupamentos musicais militares eram acompanhados por grupos de capoeiristas. Por esta mesma época, surgiram os primeiros clubes de carnaval de Pernambuco, entre eles o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas (1889) e o C.C.M.Lenhadores, quando capoeiristas necessitavam de um disfarce para acompanhar as bandas, agora dos clubes, já que eram perseguidos pela polícia. Assim, modificaram seus golpes acomapanhando a música, originando tempos depois o “Passo” (a dança do Frevo) e trocando suas antigas armas pelos símbolos dos clubes que, no caso dos Vassourinhas e Lenhadores, eram constituídos por pedaços de madeira encimados por uma pequena vassoura ou um pequeno machado, usados como enfeites.

A sombrinha teria sido utilizada como arma dos capoeiristas, à semelhança dos símbolos dos clubes e de outros objetos como a bangala. De início, era o guarda-chuvas comum, geralmente velho e esfarrapado, hoje estilizado, pequeno para facilitar a dança, e colorido para embelezar a coreografia. Atualmente a sombrinha é o ornamento que mais caracteriza o passista e é um dos principais símbolos do carnaval de Pernambuco.

O frevo é uma dança inspirada em um misto de Marcha e Polca, em compasso binário ou quaternário, dependendo da composição, de ritmo sincopado. É uma das danças mais vivas e mais brejeiras do folclore brasileiro. A comunicabilidade da música é tão contagiante que, quando executada, atrai os que passam e, empolgados, tomam parte nos folguedos. E é por isso mesmo, uma dança de multidão, onde se confundem todas as classes socias em promiscuidade democrática. O frevo tanto é dançado na rua, como no salão. O berço do frevo é o estado de Pernambuco, onde é mais dançado do que em outra qualquer parte. Há inúmeros clubes que se comprazem em disputar a palmo nesta dança tipicamente popular, oferecendo exibições de rico efeito cereográfico. Alguém disse que o frevo vem da expressão errônea do negro querendo dizer: “Eu fervo todo”, diz: “Quando eu ouço essa música, eu frevo todo”.

O frevo é rico em espontaneidade e em improvisação, permitindo ao dançarino criar, com seu espírito inventivo, a par com a maestria, os passos mais variados, desde os simples aos mais malabarísticos, possíveis e imagináveis. E, assim, executam, às vezes, verdadeiras acrobacias que chegam a desafiar as leis do equilíbrio.

HISTÓRICO

Em Boa Viagem e no Pátio de São Pedro, no coração de Recife, nas ladeiras centenárias e ruelas estreitas de Olinda, em São José, Santo Antônio, Boa Vista e Praça 12 de Março, ouvem-se os acordes dos clarins anunciando a chegada do carnaval. É o “Carnaval Mulato de Recife, o melhor carnaval do mundo”. Vamos ver o que ele tem para nos mostrar:

Antigamente, aspectos fascinantes marcavam os antigos carnavais pernambucanos. Surgiam correndo pelas ruas os Palhaços do Velho Recife, rindo em alto “falsetto”, fazendo piadas e inventando emboscadas de grande imaginação. Eram os elogios à beleza dos carnavais passados e, juntamente com outros grupos de foliões, faziam a festa popular de rua, espontânea e original.

Os Blocos da Saudade – de muita originalidade e beleza, constituíram, também, uma das mais belas e poéticas tradições, hoje não mais existentes, que foram cantados em versos e prosa por poetas e compositores: Rancho das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Pavão Dourado, Lira da Noite, Flor da Lira, Apôis-Fum, Flor de Magnólia.

O Encanto do Bal Masque Pernambucano, criatividade e fantasias que deram à imaginação e criaram um mundo de magia e originalidade; momento máximo de delírio, onde revivia-se a mais antiga festa do carnaval de Clubes do País, com suas belíssimas e suntuosas máscaras, que representavam um verdadeiro show de luxo e elegância;

Os Caboclinhos, ou mais carinhosamente Caboclinhos, bailado de sabor indígena – como o próprio nome, famosos e luxuosos, cheios de riqueza folclórica e tão bem dotados de imaginação; representam uma pedra fundamental para o carnaval pernambucano. Dançam e pulam, passando tão rápidos, que é difícil captar toda a beleza de sua coreografia. Constituem, sem dúvida alguma, o traje folclórico mais original do nosso hemisfério;

O Maracatu, que continua a ser uma das maiores tradições, é um sentimento, um motivo de vibração. Os intelectuais, os jornalistas, a classe média, o povo em geral, todos sentem o Maracatu peculiarmente seu: “ser pernambucano é sentir o Maracatu!”. É originário da África, é um cortejo simples que, do sagrado passou para o profano, para o carnavalesco. O Maracatu marca a sua passagem lembrando a Coroação do Rei e da Rainha do Congo, vestidos à moda européia, mostrando suas alas, com luxuosos estandartes rebordados de fios e franjas douradas sobre veludos e cetins. Os soberanos passam dignos e respeitados, saudando a multidão;

“Eu frevo, tu freves, ele freve” – É o frevo a expressão máxima desse carnaval. Vem com sua música ensurdecedora, hipnotizante, com alegria transbordante e com um calor físico somente superado pelo calor humano. Sua comunicabilidade é tão contagiante que atrai quantos o esteja apreciando, arrastando multidões em delirantes passos acrobáticos, que chegam a desafiar as leis do equilíbrio. O frevo é a grande alucinação. A multidão ondulando, nos meneiros da dança, fica a frever. É tão frenético que cada um, por si, egocentricamente, freve ao seu modo, até a exaustão. Mas quando os clubes de frevo aparecem nas avenidas e ladeiras é uma consagração. Continuam ocupando o lugar de destaque no carnaval e no coração do povo, sempre arrastando um maior número de foliões em delirantes ondas de frevo;

As Tradicionais Alegorias ou Clubes de Alegorias, são bonecos gigantes que vêm para fazer sua apresentação, enchendo as ruas da mais pura fantasia. São: O Homem da Meia-Noite, levando a chave da cidade, acompanhado da Mulher do Meio-Dia, do Menino da Tarde, do Barbapapa, de Seu Malaquias e outros. Eles estão nas ruas, agitando as massas e enaltecendo a folia, arrastando a multidão, fazendo uma festa ao ar livre, com a fanfarra tocando o intoxicante frevo e, todo mundo dançando, bebendo, comendo, rindo, relaxando e se divertindo;

E assim, para quem conseguir chegar inteiro na quarta-feira de cinzas, brincará ainda, ao som de muito frevo, é claro, no que os pernambucanos apontam como o melhor carnaval de todos os tempos. Surge o Bloco carnavalesco Bacalhau do Batata, criado por Isaias Pereira da Silva, que por ser garçom e trabalhar durante todos os dias do Rei Momo, fica impossibilitado de brincar, só podendo fazer na 4ª feira de cinzas. Fechando, assim, com seu desfile, o Carnaval Mulato do Recife.

A Festa do Frevo empolga multidões, numa incrível FREVANÇA, desenhando um mosaico de cores, luzes e malícia, transformando-se numa passarela, onde só importa a alegria, encerrando oficialmente o exuberante carnaval pernambucano.

É de perder o sapato

Aydano André Motta

É de perder o sapato
Foto: EFE

O maior de todos os sambistas voltará ao carnaval, para abençoar a viagem verde-e-rosa que vai unir o frevo ao samba, e tomar a Sapucaí numa pororoca de ritmos. Cartola reaparecerá na sua Estação Primeira, paixão que ajudou a inventar e tornou famosa, numa imensa escultura na oitava e última alegoria, para reassumir o posto de protagonista do espetáculo. Emoção em alta voltagem, na homenagem que a Mangueira fará à música de Pernambuco, prima em empolgação da mais querida das escolas de samba. Será, como promete o enredo, de perder o sapato.

Com o violão no colo, de camiseta e os óculos escuros que marcaram-lhe a biografia, Cartola reencontrará parceiros ancestrais no carro dos baluartes mangueirenses, onde os diversos instrumentos musicais da fanfarra se misturam ao morro que abriga a escola. Na viagem criada pelo carnavalesco Max Lopes, a Mangueira veste as cores de Recife e entra no passo frenético do frevo, atingindo o clímax no Galo da Madrugada, bloco gigante da capital pernambucana.

Vai ser a apoteose de uma apresentação que tem tudo para incendiar a Sapucaí desde o início. Quinta escola a passar na avenida, a Mangueira adotará em 2008, a estratégia de escalar o casal de mestre-sala e porta-bandeira logo depois da Comissão de Frente. Em seguida a revolução anual promovida pelo coreógrafo Carlinhos de Jesus, virá a magia de Marquinhos e da linda Geovana que vão retratar os movimentos recifenses, os passos do frevo, vestidos como os leões coroados, símbolos de força e guardiões da cidade. Não pode haver começo melhor para o espetáculo verde-e-rosa.

Os arautos virão em seguida, anunciando majestosamente, com seus clarins, o início da festa do carnaval carioca na batida do Recife. O abre-alas concebido por Max Lopes oferece uma versão tridimensional, gigante — são 30 metros de comprimento —, da grande coroa com oito torres e o brasão da capital, emoldurado por um arco-íris que simboliza a união e a fé do povo. Nas laterias e na frente, a alegoria terá os leões coroados, os mesmos que dão o tom das fantasias do mestre-sala e da porta-bandeira.

“Nossa idéia é mostrar as várias manifestações do Recife, um caldo variado de cultura popular, unindo à Mangueira, na homenagem ao frevo”, traduz Max Lopes. “Escolhemos um tema genuinamente brasileiro, um dos carnavais mais espontâneos do país, bem ao nosso estilo, pela força e a paixão que semeia em quem o conhece”, acrescenta o carnavalesco. Ele cuidou de preservar o verde e rosa que incendeia a nação mangueirense, nas representações excluivas da escola. Mas o vermelho-amarelo-azul-e-verde de Recife vai se espalhar por alas e alegorias, garantindo desfile supercolorido.

Embalada na cor, vem a história do frevo. A Fanfarra — o som, os intrumentos e a musicalidade da festa — e a Folia do Recife — os passos e algumas cenas da cidade, protagonizadas por seus foliões — precedem as baianas, que vão homenagear a gênese da manifestação cultural pernambucana, também com imagens estampadas nas saias rodadas. A coroa das fantasias da ala das damas mangueirenses será em verde e rosa, como convêm.

É de perder o sapato
Foto: Ivo Gonzalez/O GLOBO

O clima de brincadeira, comum aos diferentes carnavais Brasil afora — os do Rio e de Recife em particular —, dará o tom da segunda alegoria. As sombrinhas características do frevo servirão de moldura à figura do Zé Pereira e seu tambor gigante, que anuncia a chegada do carnaval em Pernambuco. O personagem, nascido nas romarias do Norte de Portugal no século XIX, virou sinônimo de folia e alegria. “Nessa espontaneidade baseamos nossa festa, nosso estilo para 2008”, avisa Max Lopes.

Em seguida, virá o luxo dos bailes de máscaras, e seus personagens, que formam a essência do carnaval. O arlequim, o pierrô e o mercador de ilusões apresentam a irresistível ilusão da festa, com sua magia e envolvimento. O conjunto se completa na terceira alegoria, o Baile de Máscaras em toda a sua sofisticação e riqueza, com luxo o dos salões e as belas idumentárias da folia dos ricos e nobres. “A composição viva dará movimento, mas não caíremos na tentação da coreografia marcada”, garante o carnavalesco, fiel à força do enredo, à dança rasgada do samba e do frevo.

O show da Mangueira celebrará, então, os dragões que protegem a festa desenfreada das ruas da capital pernambucana. Junto a eles, estarão a elite recifense — traje da Velha Guarda verde-e-rosa — e os malandrinhos — vestimenta da Ala dos Compositores — logo a frente do quarto carro, os Dragões de Momo. A tradicional sociedade desfilava pela cidade com imensas e luxuosas alegorias, encarnando os protetores da festa suprema, os dragões que guardam Momo, lá como cá o comandante da folia.

É de perder o sapato
Foto: Gustavo Stephan/O GLOBO

O espetáculo entrará no seu quarto setor, o Amor de Carnaval, com o encontro de arleguins, pierrôs e colombinas. Especialista no estilo que faz a Mangueira evoluir com alegria e paixão, Max Lopes decidiu privilegiar figuras cheias de simbolismo, perfeitas para fazer os corações verde-e-rosa transbordarem de emoção. “Será uma surpresa para quem espera um desfile com sombrinhas e fitas, a imagem mais batida da festa pernambucana”, informa ele. “Apresentaremos muito mais, muita cor, muito luxo. Temos um compromisso com a beleza”, arremata.

Aqui, chegarão as passistas, exemplos vivos do mais ardente amor do carnaval. Elas representarão os foliões, toda a sua dança e leveza, motivação maior da festa. Logo após, virá a bateria, ou A Grande Fanfarra, homenagem aos músicos dos blocos e bandas que fazem o espetáculo — em Recife, na Sapucaí, por todos os lugares. Os ritmistas, liderados por mestre Taranta, vão retornar ao estilo tradicional, forte e sem fírulas, que o mundo do carnaval aprendeu a reverenciar. Á frente deles, uma rainha de bateria estreante, a dançarina Gracyanne Barbosa.

É de perder o sapato
Foto: Ivo Gonzalez/O GLOBO

A alegoria seguinte festejará a influência européia, da Comédia Dell`Arte, no carnaval de Recife. Os encontros e desencontros amorosos de peirrôs, arleguins e colombinas nos blocos ao longo dos dias de folia e brincadeira servirão de mote, numa alegoria que provocará suspiros e lembranças nos foiliões mais antigos, carnavalesca viagem no tempo para enfeitiçar a Sapucaí.

O que os dragões significaram para os bacanas, o Bloco das Flores representou para a classe média, como contará o quinto setor. Vão passar o banho de cheiro, as moças até então proibidas de frequentar os salões e o bloco dos Andaluzas do Recife, com suas fantasias de toureirtos e véus, inspiração que veio da região espanhola de Andaluzia — tudo num trecho mangueiramente verde e rosa.

A alegoria que fechará o sertor vai celebrar os negros com grandes cestos de vime na cabeça, os vendedores de flores, que surgiram durante o desfile do bloco. “Foi a grande oportuniade para a classe média cair na folia”, descreve Max Lopes, festejando a oportunidade de mostrar a força do carnaval para quebrar barreiras sociais. Porque, na hora que a chapa esquenta, vira tudo folião.

Com os dançarinos do Maracatu, cortejos em homenagem á realeza, que saudava a coroação do rei com música e dança. O caboclo de lança e de pena, o lampião e a nobreza pavimentarão o caminho para a alegoria que transportará o rei e a rainha do Maracatu, representados, na versão mangueirense, por Mestre Delegado e Lia de Itamaracá. O carro vai reproduzir o Maracatu Nação Elefantes, com os animais à frente e os porta-estandartes nas laterias, totalmente alinhados à manisfestação religiosa que integra o carnaval da capital pernambucana.

É de perder o sapato
Foto: Ivo Gonzalez/O GLOBO

Para tudo se acabar em… frevo. Um mar de sombrinhas coloridas e fantasias vaporosas, nos diversos formatos adotados pelos foliões de Recife ao longo dos tempos, vai passar pela avenida carioca, naquele arrebatamento que só a Mangueira é capaz de criar. Cinco alas precederão o carro final, o dos baluartes, com a luxuosas companhia do maior deles, Cartola, ele e seu violão. Junto, virão os instrumentos do frevo, para consumar a união entusiasmada dos ritmos.

O desfile terminará com 30 bonecões, referência ao Galo da Madrugada e, sob a batuta eterna de Cartola, a Mangueira terminará sua apresentação, conduzindo em direção à Praça da Apoteose o sonho de todo ano, explícito numa das obras-primas de seu mestre supremo. A bula para entender as almas em verde-e-rosa:
“Pois então saiba que não desejamos mais nada
A noite e a lua prateada
Silenciosa, ouve as nossas canções
Tem la no alto um cruzeiro
Onde fazemos nossas orações
E temos orgulho de ser os primeiros campeões”.2

Até as rosas já comentam

Mangueira esquece o centenário de Cartola, gera falatório, mas o compositor será lembrado em diversos eventos

Polêmica no mundo do samba. Mais tradicional das escolas cariocas, a Estação Primeira de Mangueira deixa de lado um dos seus fundadores, Cartola, que faria 100 anos em 11 de outubro de 2008, para decantar o frevo como enredo, ano que vem. Falou mais alto a subvenção, R$ 3 milhões, que a Prefeitura do Recife depositará na conta bancária da verde-e-rosa. Cartola não só foi um dos fundadores da Mangueira, como deu a agremiação suas cores e os primeiros sambas-enredo. Mas a família de Angenor de Oliveira já preparar uma série de homenagens para a data não passar em branco. […]3

Mangueira desfile 2008 ✱ vídeo

O lado carioca no frevo

Tárik de Souza

Que o frevo é pernambucano, todos sabem. Mas o centenário aniversariante sempre teve forte ligação com o Rio de Janeiro, reafirmada na homenagem da Mangueira neste carnaval. “O teu cabelo não nega”, que, segundo os historiadores Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, no livro “A canção do tempo” (Editora 34, 1997), consolida o prestígio da marchinha no carnaval carioca, em 1932, é na origem um frevo. Foi lançado pelos irmãos pernambucanos Raul e João Valença com o nome de “Mulata”, e adaptado à folia carioca por Lamartine Babo. Antes de a fábrica de discos Mocambo instalar-se em Recife, era no Rio que os frevos, inicialmente rotulados de “marcha nortista” ou “marcha pernambucana”, eram gravados. Em 1923, o ás do ramo Nelson Ferreira (1902-1976) tinha sua “Borboleta não é ave” (com Jota Borges Diniz) registrada na lendária Casa Edison pelo não menos mítico Bahiano, que havia gravado no selo o primeiro samba, “Pelo telefone”, apenas sete anos antes.

Astros da cena carioca como Francisco Alves (“Didi”, 1930), Araci de Almeida (“Já faz um ano”, 1935), Carlos Galhardo (“Sorri pierrô”, 1939), Joel e Gaúcho (“Dança do carrapicho”, 1941) também gravaram Nelson Ferreira, que tomaria conta do carnaval carioca (e brasileiro) de 1957 com frevo de bloco “Evocação”, pelo Bloco Carnavalesco Batutas de São José. Aquele dos versos “Felinto, Pedro Salgado/ Guilherme Fenelon/ cadê seus blocos famosos?/ Bloco da Flores, Andaluzas/ Pirilampos, Após Fum/ dos carnavais saudosos”. Mesmo quem não viveu tais tradições caiu no passo. O outro baluarte do frevo, Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba (1904-1997), também foi gravado por vozes carioquíssimas. De Mário Reis (“É de amargar, 1933) a Cyro Monteiro (“Quero essa!, 1939) e até “El Broto”, Francisco Carlos (“Nos cabelos de Rosinha”, 1952). Autor de “Um pernambucano no Rio”, ele ainda ganhou um tributo do petropolitano gênio das cordas Raphael Rabello, “Mestre Capiba”, com participações de Chico Buarque, Paulinho da Viola, Milton Nascimento e Caetano Veloso, entre outros.

O frevo também entrou para o repertório de autores cariocas. Dois dos mais característicos nativos do Rio. Tom Jobim e Vinícius de Moraes, dividiram a autoria de “Frevo”, em 1959, inserido na trilha do filme “Orfeu do Carnaval”, de Marcel Camus, que correu mundo e aqui foi gravado por João Gilberto, Elis Regina, Marlene, Joyce e Toninho Horta. Os músicos fluminenses Altamiro Carrilho, de Santo Antônio de Pádua, (“Altamiro no frevo”) e Egberto Gismonti, de Carmo (“Frevo”) também incursionaram no gênero, que seduziu ainda o ás do cavaquinho Waldir Azevedo (“Frevo da lira”) aos violonistas Zér Paulo Becker (“Frevo”) e Romero Lubamdo (“Frevo camarada”), e o saxofonista Mário Séve (“Alice no frevo”). A dupla do samba & choro Guinga e Aldir Blanc pôs pra frevar o “Vô Alfredo” e os irmãos bossanovistas Marcos e Paulo Sérgio Valle, em “Frevo novo”, consorciaram-se ao pernambucano Novelli e o uruguaio Taiguara (radicado em Santa Teresa, no Rio). Atribui-se ao compositor e cronista Fernando Lobo a primeira gravação de um frevo canção, que foi também seu único desempenho cantado, “Pare, olhe, escute e goste”, de Nelson Ferreira, em 1936, como “crooner” da Jazz Band Acadêmica de Pernambuco. Seu filho, o carioca Edu Lobo, é autor do “Frevo diabo”, e alcançou sucesso nacional aboletado “No cordão da saideira”. Seus versos fecham nosso defile de carioquices do frevo.”É frevo ainda/ apesar da quarta-feira/ no cordão da saideira/ vendo a vida se enfeitar”.4

Sambas da Estação Primeira de Mangueira ♪

  1. Transcrito de O GLOBO, Letícia Lins: Frevo vai cair no samba no desfile da Mangueira. (Rio de Janeiro, Rio p. 20, 23 mai. 2007). ↩︎
  2. É de perder o sapato, Aydano André Motta, REVISTA DO CARNAVAL – MANGUEIRA (Projeto da Escola, 2008), p. 8 a 17 ↩︎
  3. Transcrito de Até as rosas já comentam. TRIBUNA da imprensa, Rio de Janeiro, TRIBUNA Bis p. 1, 10 out. 2007. ↩︎
  4. O lado carioca no frevo, Tárik de Souza, REVISTA DO CARNAVAL – MANGUEIRA (Projeto da Escola, 2008), p. 100-101 ↩︎